Crítica
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Sinopse
Kiyokazu e Satoko formam um casal que sempre nutriu a vontade de ter um filho. Para realizar esse sonho conjunto, eles empregaram suas energias num processo longo e malsucedido, composto de diversas tentativas. Depois de serem convencidos por uma associação, adotam Asato. No entanto, seis anos depois recebem uma ligação de Hikari Katakura, mulher que, além de alegar ser mãe biológica do menino, pleiteia conseguir a sua guarda novamente. Ela começa a chantagear a família com a pedida de uma exorbitante soma de dinheiro.
Crítica
A cineasta japonesa Naomi Kawase ficou conhecida por trabalhar experiências sensoriais em profunda conexão com a natureza. Em Floresta do Lamentos (2007), uma meditação sobre a morte tendo o meio ambiente como vital. Em O Segredo das Águas (2014), igualmente os mistérios da existência e, por conseguinte, da finitude filtrados pela relação que os humanos têm com os elementos. Não que ela tenha de ficar presa a determinados itinerários, mas chama a atenção como seus trabalhos recentes, incluindo este Mães de Verdade, curiosamente tendem a uma antes rara exposição. O dilema aqui é familiar. Satoko (Hiromi Nagasaku, o grande destaque do elenco) e Kiyokazu (Arata Iura) têm um filho de cerca de seis anos. Diante de um incidente escolar envolvendo o menino, a mãe chega a martirizar-se por duvidar instantaneamente da negação dele. Esse preâmbulo serve para nos aproximarmos dessa personagem ao ponto de compreender o tamanho do amor sentido pelo pequeno Asato (Reo Sato). Logo, ficamos sabendo que o casal percorreu um longo caminho até chegar à sua adoção, relutando e protagonizando uma desgastante jornada por alternativas.
Reafirmando esse gosto recente pelo didatismo, Kawase promove um longuíssimo flashback para mostrar a saga de Satoko e Kiyokazu. Explicando tudo tim-tim por tim-tim, coloca em cena os primeiros encontros, as tentativas malsucedidas de engravidar, as idas ao médico para compreender a dificuldade, a tristeza diante do diagnóstico desanimador, etc. É um caminho repleto de convenções, durante o qual a realizadora privilegia o acúmulo de etapas em detrimento do trânsito de sentimentos. O retrocesso temporal é extensamente descolado do tempo presente, soando assim autônomo por sua articulação, o que se repete em outros instantes. Uma cena exemplar do desjeito que inviabiliza as sutilezas é o acaso trazendo de volta o assunto da paternidade/maternidade quando a resignação parecia pavimentar a estrada a ser seguida. Diante da televisão, o casal vê pessoas falando exatamente o que eles viveram, nos mínimos detalhes – incluindo o homem com baixa quantidade de espermas e as demais especificidades –, isso até que adotar lhes trouxe felicidade.
Mães de Verdade segue jogando contra a delicadeza, esta evocada em certos planos de transição muito bonitos, ao apresentar a instituição intermediária entre gravidezes indesejadas (ou compreendidas como inconvenientes) e gente que biologicamente não consegue ter filhos. Parece que Naomi Kawase está fazendo um institucional sobre adoção ao chegar nesse ponto, com direito a depoimentos de casos de sucesso e a construção de um ambiente convidativo a Satoko e Kiyokazu. Aí já temos a informação de que, adiante, a mãe antes renunciante aos seus direitos como tal, voltou como reclamante dos mesmos, impondo uma possível crise no horizonte. E não demora para que, igualmente por meio de um flashback de duração excessiva, sejamos arremessados na história de Hikari (Aju Makita), menina de 14 anos que acaba engravidando de um colega de escola. O infortúnio dela passa pela dificuldade de diálogo com os pais (principalmente a mãe) e a adoção simbólica por Shizue (Miyoko Asada), a dirigente da instituição acolhedora que lhe oferece paz.
O engajamento emocional é comprometido frente a tantas tramas, do que resulta a dificuldade de conexão com as minúcias do todo. As simbologias são evidentes, postas e reiteradas – como o tremular das folhas enquanto sinônimo de calmaria excepcional nesse turbilhão de sentimentos –, porém Naomi Kawase não as trabalha como primordiais, mas na condição de apêndices. O drama de Hikari seria capaz de espelhar-se na angústia de Satoko, assim como o amor aparentemente incondicional direcionado a Asato também poderia ser melhor sinalizado no encerramento em que ela demonstra uma presença de espírito notável. A experiente realizadora fica indecisa entre se aprofundar nas estruturas que levam os personagens a desempenharem certos papeis (voluntária ou involuntariamente) ou perceber as nuances das atitudes de cada pessoa envolvida nessas circunstâncias que se atravessam violentamente. As passagens contemplativas triscam na poesia, mas não são nutridas por ela. A abundância de explicações, elucidações e afins asfixia o que o cinema de Naomi Kawase tem de melhor, ou seja, a habilidade de expressar-se sem dizer, de entrelaçar as imaterialidades com primazia.
Filme visto online na 44a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2020
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 4 |
Francisco Carbone | 5 |
Chico Fireman | 6 |
Nayara Reynaud | 5 |
MÉDIA | 5 |
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