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Sinopse

Trabalhando como barman na Flórida, nos Estados Unidos, Mike Lane conhece uma ricaça que tem ciência de seu passado. Ela o incentiva a voltar aos palcos e a treinar um novo grupo de strippers na Inglaterra.

Crítica

Nada mais triste para um personagem que chegou a ser visto como um ícone cultural acabar se tornando coadjuvante do seu próprio filme. Pois é exatamente o que acontece Mike Lane em Magic Mike: A Última Dança, o terceiro e mais desnecessário dos três longas dessa improvável trilogia. Agora, decepcionante mesmo é descobrir que esse rebaixamento tenha sido promovido não por um aventureiro de última hora – Gregory Jacobs, que comandou Magic Mike XXL (2015), o segundo capítulo, mudou o tom do original, deixando-o menos introspectivo e mais comercial, mas seguiu respeitoso com o conjunto e com os fãs. Afinal, os nomes por trás dessa retomada são os do diretor Steven Soderbergh, do galã Channing Tatum (que além de atuar assina também como produtor) e do roteirista Reid Carolin, que esteve envolvido com os textos dos três longas da série. Esse trio, ao invés de oferecer uma despedida grandiosa ao stripper masculino especialista em mexer com as fantasias femininas (apesar do apelo que o tema tem também com os espectadores gays, em cena esses seguem sem nenhuma menção), o coloca mais uma vez como um objeto de desejo e manipulação, e não mais do que isso. Não chega nem mesmo a ser mais do mesmo, é apenas desperdício de uma figura que já mostrou ter potencial, aqui vista apenas pelas suas razões mais básicas.

Sem lançar um filmes nos cinemas desde Logan Lucky: Roubo em Família (2017), Soderbergh manteve sua produtividade em alta nos últimos anos, porém voltado quase que exclusivamente às plataformas de streaming (foram 6 longas, um curta e uma série em cinco anos). E por mais que nesse período tenha trabalhado com profissionais renomados, como Meryl Streep, Benicio Del Toro e Gary Oldman, nenhum desses títulos obteve maiores repercussões, seja junto ao público, ou menos ainda com a crítica. Portanto, não soa estranho essa escolha por retornar a um dos seus maiores sucessos. Magic Mike (2012) faturou quase US$ 200 milhões nas bilheterias de todo o mundo e obteve vitórias e indicações em premiações como o Critics Choice, Film Independent Spirit, MTV Movie Awards e Sociedade Nacional dos Críticos de Cinema dos EUA. Enfim, trata-se de um projeto que, definitivamente, não passou desapercebido. Bem diferente de sua sequência imediata, de resultados mais modestos. Era de se esperar, portanto, que a volta dos responsáveis pela ideia conseguissem ‘resgatar’ a magia de antes, mas tal expectativa em nenhum momento ameaça ir além da promessa.

A verdadeira protagonista de Magic Mike: A Última Dança é a milionária Maxandra Mendoza, vivida com gosto por Salma Hayek. Sua personagem lembra as que Hannah Waddingham em Ted Lasso (2020-2023) ou de Maya Rudolph em Fortuna (2022): uma mulher que já teve de tudo, mas que, ao ser abandonada pelo ex-marido igualmente rico, decide fazer o impensável para se vingar da esnobada, atacando justamente aquilo pelo qual o antigo companheiro tinha maior apreço. Se nas séries da AppleTV+ acima citadas uma vai atrás do time de futebol e a outra decide fazer diferença em atividades beneficentes, por aqui as motivações são ainda mais rasas: a mulher rejeitada quer acabar com o tradicional teatro da família cujo sobrenome acabou de perder. Assim, decide encerrar com uma peça de imenso sucesso, com semanas de ingressos vendidos antecipadamente, porém de viés absolutamente conservador e, portanto, comportado, que há anos se apresentava no lugar, e a substitui por algo “revolucionário”: um show de dançarinos com pouca roupa indicado apenas às mulheres. Uau (contém ironia).

Nas primeiras cenas, Mike está de volta ao ponto de partida: quebrado, sem ter a quem recorrer, trabalhando como garçom em festas de ricaços. Numa dessas acaba sendo reconhecido por uma ex-admiradora dos seus serviços, que não hesita em comentar a respeito das habilidades do rapaz com a dona da casa. É por isso que, quando a agitação acaba, Mendoza manda chamá-lo para uma “apresentação privada”. É o que basta para que ela se sinta segura o bastante para levá-lo consigo para Londres e encarregá-lo da nova atração que deverá “sacudir” o West End. Como se vê, é tudo por demais ingênuo, quase pueril. Ele se recusa a se assumir como prostituto, ela não se vê como uma “sugar mommy”, e uma vez juntos passam a dormir em quartos separados, “para não confundir as coisas”. No entanto, o que se tem em cena é um homem de mais de 40 anos seduzindo uma senhora quase duas décadas mais velha do que ele. Caso essas condições fossem encaradas de frente, a própria relação entre eles poderia adquirir ares mais densos e profundos, vindo de uma necessidade natural de aproximação, o que um teria a oferecer ao outro e como ambos lutam para se ater às conquistas de tempos atrás. Porém, tudo o que conseguem é partir para mais uma dança, e assim por diante.

Abrindo espaço para a filha prematuramente adulta da dona de toda essa bagunça (a criança pode antever cada passo dos adultos, mas não tem idade suficiente para assistir ao espetáculo que resulta dessa movimentação) e até para uma figura paterna sem grande relevância, Magic Mike: A Última Dança parece preocupado em se entreter com qualquer distração que surja pelo seu caminho, menos com os anseios ou preocupações do personagem-título, que entra e sai dessa história sem deixar claro de onde veio e muito menos para onde pretende ir após mais uma realização. O desfecho, que deveria ser apoteótico, com mais um grupo de bailarinos de corpos apolíneos exibindo destreza no palco e diante dos olhares atentos de sua audiência, se mostra ainda mais constrangedor – afinal, Mike é o diretor da apresentação, e não a atração principal, papel que acaba ocupando pela simples falta de algo melhor a fazer (e também pela ausência de um novo talento destinado a ocupar o seu lugar). Ou seja, nem mesmo passar o bastão para uma nova geração os envolvidos se mostram dispostos. Ao invés disso, demonstram apenas um esforço desgastado em se prenderem a uma condição de ontem, ao mesmo tempo em que se recusam a mirar as possibilidades do amanhã. Triste.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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