Crítica


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Sinopse

Histórias de pessoas que utilizam alucinógenos, seja para o tratamento da depressão ou com finalidades puramente recreativas. Os prós e contras das drogas, seu impacto histórico e na cultura pop.

Crítica

Este documentário nasce da vontade de se opor à representação majoritária sobre drogas. O diretor Donick Cary constata que o discurso oficial sobre LSD, cogumelos, ayahuasca e outros está marcado pela retórica do medo e da dissuasão. “Seu cérebro nunca mais será o mesmo!”, “Uma única experiência basta para arruinar a sua vida!” etc. No entanto, a narração rebate com a possibilidade de que drogas sejam divertidas – o que não significa que possamos consumi-las o tempo inteiro, e que não possuam riscos. Cary relembra alguns fatores evidentes no que diz respeito ao uso dessas substâncias: 1. Se fossem apenas ruins, sem proporcionar qualquer sensação prazerosa, ninguém as tomaria, 2. O mundo está repleto de artistas que tomam drogas e não foram arruinados pelo resto da vida, 3. Muitas obras de arte foram produzidas porque os artistas experimentaram estímulos únicos, decorrentes das drogas, 4. Alucinógenos podem ser utilizados no uso da depressão e outras doenças.

Para comprovar o potencial engraçado das viagens, o cineasta convida alguns músicos (Sting, A$AP Rocky), alguns atores famosos (Ben Stiller, Carrie Fisher), mas sobretudo humoristas experientes (Rob Corddry, Sarah Silverman, David Cross, Will Forte, Nick Kroll, Maya Erskine, Lewis Black, David Koechner, Nick Offerman, Adam Scott) para trazerem um aspecto descontraído às conversas. A única pergunta feita para cada um, aparentemente, foi esta: “Qual foi sua experiência mais marcante com ácido?”. O resultado se converte numa coletânea de anedotas sobre o chão de uma casa noturna se transformando em ondas do mar, uma noz falante e dançante, o céu dotado de zíper, o rosto derretendo diante do espelho, arco-íris saindo do pênis, além de sensações inusitadas como esquecer o próprio nome ou ligar para os pais durante o efeito de cogumelos. A maioria dos testemunhos é acompanhada por uma animação, buscando descrever as sensações únicas de cada um. Cenários coloridos são povoados por versões animadas de Sting, Natasha Lyonne e outros enxergando o mundo ao redor se transformar numa grande fantasia.

O conceito é curioso para um especial de comédia, porém insuficiente para um documentário. A narrativa descritiva se assemelha a uma reportagem, intercalada por esquetes independentes e paródias razoavelmente inspiradas satirizando os vídeos pedagógicos das gerações passadas. O recurso chama a atenção no início, porém se esgota rapidamente quando percebemos que o diretor não possui nenhuma proposta para além das conversas: os relatos constituem o ponto de partida, e também de chegada. Para um documentário munido de intenções tão nobres quanto desmistificar as drogas, combater preconceitos e desfazer tabus, o discurso se atém a um nível superficial. Um único médico é introduzido na montagem, espremido por comediantes empolgados em relatar suas melhores histórias. O psiquiatra certamente possui bagagem suficiente para aprofundar a discussão sem dissipar o humor, no entanto Cary coloca a comicidade em primeiro lugar. A crítica latente sobre os Estados Unidos impedindo importantes pesquisas médicas em nome do moralismo esbarra na própria estrutura do filme: o diretor critica a falta de discussões sobre o assunto, mas quanto tem a oportunidade, tampouco a discute a fundo. A ciência e a psicologia se tornam detalhes esparsos na narrativa.

A animação constitui outro ponto fraco. Embora a ideia de ilustrar a viagem de ácido por meio de desenhos seja astuta, o estilo utilizado jamais eleva as anedotas para além do óbvio. A animação contenta-se em repetir o discurso oral: quando Rosie Perez fala sobre se transformar numa cama, vemos uma garota transformada em cama. Quando Paul Scheer descreve a alucinação de um quadro de Van Gogh distorcido, vemos o quadro distorcido. Uma ferramenta tão livre quanto a animação é reduzida à função ilustrativa. Seria possível encontrar paralelos muito mais enriquecedores entre o desenho e o discurso, a exemplo da recente série The Midnight Gospel (2020), porém o filme opta por um desenho infantil que tampouco contribui ao acabamento. Pela simplicidade da filmagem de entrevistas, a linearidade da montagem e o uso pouco criativo dos desenhos e esquetes cômicas, percebe-se que o diretor se valoriza sobretudo pela proeza de reunir tantos astros e estrelas dispostos a narrarem momentos que muitos esconderiam. O projeto vaidoso utiliza seus personagens como marcas, gabando-se de tê-los reunido para uma narrativa tão controversa (o filme certamente será acusado de estimular o uso de drogas).

A certa altura do filme, um personagem critica a maneira como as viagens de drogas são representadas no cinema. Para ele, constituem estereótipos, clichês desconectados da viagem real. Esta seria a oportunidade perfeita para Cary corrigir este erro e propor uma estética à altura de sensações tão especiais. Para uma iniciativa tão libertária, sobre pessoas utilizando seus corpos como bem entendem, Maior Viagem: Uma Aventura Psicodélica (2020) resulta num esforço careta de cinema, apostando nos tradicionais talkings heads e nas vinhetas reproduzindo a textura típica da linguagem hippie. Ora, de que maneira o consumo de drogas mudou de Woodstock até hoje? A Internet, as redes sociais transformaram o conhecimento sobre essas substâncias? Os personagens tiveram viagens diferentes na juventude e na fase adulta? Como falariam a respeito com seus próprios filhos? Que campanhas acreditam que os governos deveriam fazer hoje – caso acreditem na eficácia destes suportes? Tendo viajado o mundo inteiro, encontraram novas percepções sobre LSD em outros lugares? Nada disso é respondido. O projeto se contenta com um agradável bate-papo e uma construção rasa enquanto proposta cinematográfica.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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