Crítica
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Sinopse
Crítica
A matemática é simples. Pegue os dois personagens que estampam o cartaz do filme. Quando a projeção começa, logo vão ser apresentados um ao outro – e também ao espectador – para, aos poucos, demonstrarem interesse mútuo entre si. Ao se aproximarem, acabam se apaixonando, muitas vezes “ao acaso”, ou seja, contra a vontade expressa deles. Afinal, era para ser apenas algo “casual”, que, no entanto, se tornou “mais forte do que o esperado”. Quando tudo parecia encaminhado para se tornarem “o casal mais feliz do mundo”, um incidente relativamente banal acontecerá, adquirindo proporções drásticas, levando-os a uma nem um pouco surpreendente separação. Porém, após alguns dias – ou mesmo semanas – irão perceber que exageraram, um partirá em busca do outro e, assim que as pazes forem feitas, irão se jogar nos braços daquele em sua frente, com declarações de amor eterno, rumo a um “e foram felizes para sempre”. Esse mesmo arquétipo narrativo já foi explorado inúmeras vezes, com diversas variações entre um ponto e outro, mas invariavelmente se encaminhando ao mesmo destino. Mais Que Amigos, portanto, não se propõe a reinventar a roda. Com um pequeno detalhe. Ao invés da paixão surgir entre pessoas de sexo oposto, ela se dará entre dois homens. E, acredite, é o bastante para justificar tal incursão por um terreno tão familiar, mas ainda capaz de provocar surpresas.
Assim como tantos outros antes dele, Bobby (Billy Eichner, dono de três indicações ao Emmy pelo cômico Funny or Die, 2011-2019, mas que até então só havia tido uma presença bastante discreta no cinema, como coadjuvante de filmes como Vizinhos 2, 2016, ou Noelle, 2019) está satisfeito com sua vida como solteiro convicto. Morando sozinho em Nova York, não tem irmãos e já perdeu os pais – ou seja, é uma pessoa sem conexões familiares. O maior afeto que recebe vem dos amigos – que incluem casais gays e héteros – ou dos colegas de trabalho – não de sua atividade principal, como apresentador de um podcast que produz e grava sozinho em casa (e que, pelo jeito, possui milhares de ouvintes, a ponto de ser reconhecido nas ruas), mas de algo que assumiu recentemente, como membro do conselho que deverá ser responsável pelo primeiro museu de história LGBTQIA+ do país. Essa turma, aliás, responde por cada uma das letras da sigla: há uma lésbica e um bissexual, uma mulher trans negra e uma branca, uma pessoa não binária e ele, o homem gay branco cis. É perceptível o esforço do conjunto em ser representativo, ainda que não ouse muito ao escolher como protagonista justamente aquele mais facilmente identificável pela maioria da audiência.
Aliás, motivos para apontar supostas “apostas seguras” dos realizadores de Mais Que Amigos não faltam. Porém, é justamente essa a ideia: se comunicar com o maior público possível, sem grandes quebras ou revoluções, ao mesmo tempo em que se ocupa de introduzir algumas significativas, ainda que singelas, mudanças. Quando Bobby conhece Aaron (Luke Macfarlane, visto recentemente em outra comédia romântica LGBT, Um Crush para o Natal, 2021), esse surge como o estereótipo do homem gay padrão – musculoso, sem camisa, desinteressado por relações profundas, em busca constante por sexo com estranhos dos quais não lembrará nem o nome no dia seguinte. Há, no entanto, uma conexão entre os dois, por mais distintos que sejam. Afinal, um usa óculos, frequenta boates sem se aproximar muito da pista de dança e transita por ambientes disputados da sociedade, enquanto que o outro, por mais que tenha um trabalho de respeito – é um advogado testamenteiro – odeia o que faz, e busca, em cada instante de folga, se alienar de qualquer coisa ‘real’. Por trás dessas máscaras, no entanto, possuem seus traumas e inseguranças, e é a decisão da trama em investigar essas fragilidades que retira a relação deles do lugar-comum.
Para o público em geral, independente da orientação sexual, se há alguma dificuldade de identificação com os personagens centrais, será mais por Bobby se mostrar à beira do insuportável – é daquele tipo que fala constantemente, sempre pregando algo, com discursos ativistas do início ao fim, sem noção do que pode provocar em sua audiência, preocupado com sua própria agenda, pouco afeito a olhar para os problemas daqueles ao seu redor – do que pelo fato de se tratar de um relacionamento gay. Afinal, se a comunidade LGBT tem há anos (e décadas, e séculos) se entretido com romances (nos cinemas, nos livros, nos teatros...) heterossexuais, ninguém irá perder um braço ou deveria se sentir ofendido (ou agredido, ou diminuído) frente a uma história de amor entre dois rapazes. O que importa, enfim, é se a mesma está sendo bem contada, com um cuidado técnico eficiente e com tudo no seu devido lugar – exatamente o que acontece por aqui. Aliás, até alguns “deslizes” comuns do gênero, como colocar atores heterossexuais interpretando “o melhor amigo gay” do casal central, aqui também se repetem, porém ao inverso – como Guillermo Diaz (Escândalo: Os Bastidores do Poder, 2012-2018) e Monica Raymund, que aparecem como um casal de amigos de Bobby, ou Jai Rodriguez (da formação original de Queer Eye for the Straight Guy, 2003-2007), como o irmão machão de Aaron – provando que o contrário, além de verossímil, também pode possuir conotação crítica.
Eichner não só é o protagonista, como também um dos roteiristas, e enverga nessa recriação ficcional algo próximo de si mesmo – qualquer que já o tenha visto na televisão ou em seus trabalhos como dublador (O Rei Leão, 2019) irá perceber que sua ousadia restringiu-se à temática, e não no risco artístico. Quanto ao diretor – e também co-roteirista – Nicholas Stoller, experiente nesse tipo de produção (assinou títulos similares, como Cinco Anos de Noivado, 2012), coube apenas se guiar pelo básico, entregando o esperado, mas de forma competente a ponto de se mostrar como igual dentro do espectro em que se insere, porém sem amenizar questões próprias desse tipo de relacionamento – Grindr, orgias, drogas, questionamentos sobre monogamia, apresentar o namorado aos pais, legado histórico, responsabilidade social, formação de família etc, está tudo presente, sem didatismo ou relativizações, mas tal e qual muitos dos que se identificam com esse universo vivenciam em suas vidas no dia a dia. E se nada disso conseguiu convencer o espectador mais desconfiado de que Mais Que Amigos é, sim, um filme capaz de fazer diferença, as presenças de ícones e aliados queer como Ben Stiller, Matt Wilkas, Kristin Chenoweth, Amy Schumer, Kenan Thompson, Harvey Fierstein, Bowen Yang e (principalmente) Debra Messing – entre tantos outros – deveriam bastar. Mais do que o esperado, aliás.
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