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Crítica


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Sinopse

Conhecido por sua natureza intrépida e ousada, o policial Igor persegue um vigilante mascarado que comete atos violentos. O desconhecido protege sua verdadeira identidade atrás de uma máscara bizarra e acaba representando algo capaz de se alastrar muito facilmente.

Crítica

O sucesso dos blockbusters norte-americanos baseados em histórias em quadrinhos impactou mercados considerados periféricos ou menos globais do que o estadunidense. Afinal de contas, especialmente o êxito retumbante dos filmes de super-heróis mostrou que há um desejo enorme por essas narrativas – ou será o contrário: os sucessivos triunfos nas bilheterias ajudaram a gerar uma demanda sem igual? Elucubrações à parte, Major Grom Contra o Dr. Peste surfa nessa onda, pois adapta às telinhas uma HQ famosa na Rússia. O protagonista é Igor Grom (Tikhon Zhiznevskiy), policial caracterizado tanto pela motivação inabalável quanto por sua rebeldia vintage. De cara, fica evidente que o sujeito é um decalque dos detetives moralmente ambíguos do cinema noir. No entanto, em vez de vestir sobretudo e chapéu, prefere a jaqueta surrada e sua boina peculiar. Não demora para percebermos também que é fácil enquadrar esse personagem capaz de flertar superficialmente com ambivalências. No frigir dos ovos, ele é um paladino crente na justiça que apenas percorre certos caminhos tortuosos por estar sozinho. Aliás, o enredo faz muito isto de simplificar sentimentos e cenários complexos. Por exemplo, coloca o agente da lei uma missão transformadora, mas não investe como poderia/deveria nos aspectos dessa mudança da paradigmas. Como efeito, a insubordinação parece pirraça.

O pano de fundo de Major Grom Contra o Dr. Peste é a São Petersburgo dominada pela criminalidade e propensa a virar uma panela de pressão, haja vista a população insuflada pelo Dr. Peste. No entanto, o diretor Oleg Trofim não intensifica o desenho dessa sociedade insatisfeita, deixando a desejar no quesito ambientação. Sabemos da corrupção principalmente pela boca do vilão, ele que entende atos violentos como gestos necessários à purificação. Aliás, quase tudo no filme é apresentado, mas não desenvolvido. Já a personalidade de Igor é mal trabalhada, parte por conta da ineficiência do roteiro, parte em virtude da composição de Tikhon Zhiznevskiy. O protagonista é um lobo solitário que destoa dos colegas, a começar pela vestimenta citada. Numa era de dispositivos digitais tidos como elementos cotidianos, ele carrega um telefone celular antigo, pontualmente se dizendo ignorante quanto às celebridades de internet e afins. Esse é um traço importante da subjetividade do sujeito. Mas, o que efetivamente ela importa para o desenrolar da história? Resolver as coisas pretensamente à moda antiga nem ao menos garante o cumprimento da missão. Ser anacrônico é, então, praticamente desimportante, ineficaz até para a curva do personagem que vai aprender lições valiosas ao término de sua jornada. O diretor sequer pontua o olho por olho, dente por dente como uma lógica antiquada.

A cena da chegada do novo policial ao distrito é um sintoma da natureza esquemática de Major Grom Contra o Dr. Peste. O primeiro dia de Dima (Alexander Seteykin) na delegacia coincide com outro episódio de tensão entre Igor e seu superior. Uma vez que está sendo apresentado às rotinas, o novato serve como um simplório representante do público igualmente ignorante sobre o acontecimento das coisas por ali. Ao ser esclarecido minuciosamente a respeito de como se dão os procedimentos, quem é quem naquele lugar e o porquê do sujeito de boina colocar dinheiro sobre a mesa antes de se apresentar ao chefe, o calouro vira um instrumento expositivo. Adiante, esse personagem é realocado em outros papeis convenientes. Em dado momento, vira a voz da consciência do protagonista que revela hipocrisia diante do modus operandi do vilão; um pouco mais à frente, assume o posto de “irmão mais novo”, aquele que funciona simultaneamente como escora emocional e ajudante imediato (tipo Batman e Robin, sabe?). Igualmente restrita a arquétipos, Yulia (Lyubov Aksyonova) é um arremedo de femme fatale com conhecimentos cibernéticos que, passada uma fase de animosidade, acaba previsivelmente caindo de amores pelo protagonista. Esses coadjuvantes proporcionam a Igor o que ele não possui, algo arrematado de modo reducionista no encerramento repleto de lições de moral consecutivas.

Mesmo do ponto de vista do entretenimento ligeiro, Major Grom Contra o Dr. Peste deixa a desejar. Isso acontece principalmente porque o filme segue certos modelos desgastados ao ponto de se tornar presumível. Se prestasse mais atenção aos personagens, talvez Oleg Trofim conseguisse fazer um longa divertido, quem sabe consciente de suas inspirações e, por isso, capaz de brincar com as convenções. Atrapalha muito ter um protagonista tão anêmico quanto Igor. Tikhon Zhiznevskiy confunde geralmente introspecção com apatia. O resultado é uma coleção de instantes pretensamente de recolhimento e reflexão, mas que, na verdade, soam como sessões repetidas de ponderações rasas e aprendizados assimilados a jato. Atendendo estritamente a outro lugar-comum, os roteiristas lançam mão de um vilão caricatural, do tipo megalomaníaco que justifica seus atos como resposta proporcional ao tratamento recebido na infância. Pelo menos a adaptação deixa bem claro qual é o seu lado na discussão sobre homens dispostos a fazer justiça com as próprias mãos. Pena que até mesmo essa defesa da legalidade, em que pese todas as brechas aproveitadas pelos poderosos, precisa ser verbalizada como num panfleto. Igor deixar de ser um lobo solitário e passa a gostar da ideia de andar em alcateia, assim, repentinamente, como se uma mudança fundamental pudesse ser feita num piscar de olhos.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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