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Sinopse

Um cineasta experiente começa a rodar um filme sobre a luta de operários para salvar uma fábrica. No entanto, ele precisa enfrentar a ira dos financiadores, os chiliques do astro principal e muitas confusões no set de filmagem.

Crítica

Desde que o cinema começou a se interessar por si próprio, surgiram vários filmes ambientados nos bastidores de filmagens. Aos “meros mortais”, esse tipo de trama dá acesso à intimidade de uma produção, às vezes ajudando a mitificar ainda mais a atividade cinematográfica, noutras destacando aspectos bastante comuns sobre os personagens desse circo inebriante. Cinema é uma Droga Pesada tem todos os ingredientes consagrados nesse filão que tende a dialogar diretamente com os mais cinéfilos. Há o diretor brigando com unhas e dentes para manter a sua integridade artística; o ator egocêntrico que, ciente da sua importância também como elemento comercial, acaba reivindicando ser o centro das atenções; a diretora de produção fazendo das tripas coração para as coisas continuarem nos eixos; amores surgindo em meio ao caos de uma jornada acidentada por diversos fatores; um novato encantado por essa maquinaria toda; e a discussão subjacente a respeito da realização de filmes e o que ela implica do ponto de vista existencial. Nesse sentido, o cineasta Cedric Kahn não está muito distante do que fez seu compatriota François Truffaut em A Noite Americana (1973) - uma espécie de incontornável paradigma romântico desse tipo de realização metalinguística. No entanto, aqui a abordagem é muito menos propensa a contribuir para a mitificação do cinema, mais empenhada em denunciar a humanidade ordinária dos envolvidos.

O filme sendo feito em Cinema é uma Droga Pesada é baseado em fatos, mais precisamente na luta de operários para a manutenção dos seus empregos numa fábrica. Simon (Denis Podalydès) quer fazer uma história que respeite a dureza da verdade, mas nem sempre é encarado como alguém disposto às últimas consequências. É um idealista, mas também um homem/criador cansado. Alain (Jonathan Cohen) é o astro maiúsculo que concentra as atenções, aquele que garante parte do financiamento por conta de sua fama. Ele é encarado por Cedric Kahn mais como uma caricatura de celebridade que impõe de modo espalhafatoso seu método aos demais, chegando ao cúmulo de ser inconveniente com o operário que inspira seu personagem. O tom desse sujeito dita o de alguns, mas destoa de outros tantos no enredo. Por exemplo, a atriz Nadia (Souheila Yacoub) não cabe num arquétipo, mesmo sendo a estrela que engata o relacionamento fugaz com o aspirante a cineasta – jovem que começa como figurante, mas alçado a responsável pelo making of do filme caótico. Aliás, esse coadjuvante, Joseph (Stefan Crepon), também serve à dimensão menos tipificada do filme. É o sonhador que enxerga o cinema como um oásis a ser alcançado, porém sem as tintas exageradas que pudessem o distorcer ao ponto de ele virar um tipo (como acontece com Alain). O conjunto se equilibra um tanto trôpego entre esses registros diferentes.

Cinema é uma Droga Pesada é sobre muitas coisas, mas poucas realmente são investigadas a fundo. Cedric Kahn aglomera um monte de demandas e subtramas, com isso pretendendo fazer um retrato global dos bastidores. Então, às vezes ele pula de uma crise íntima do artista aos dilemas amorosos do jovem que fica registrando tudo com sua câmera na mão, no meio do caminho deixando pistas que sugerem algo surgindo da comunicação entre as camadas narrativas. O resultado é um pot-pourri que tem algum charme, mas é desprovido da consistência que o faça ir além de ser uma observação divertida a respeito de como se realizam os filmes. A troca constante de foco, de assunto e mesmo de reflexão prejudica a fluidez da experiência, pois obriga o espectador a se reposicionar quase radicalmente de uma sequência a outra. Numa somos convidados a pensar sobre a solidão do artista diante das pressões comerciais, na outra esse mesmo homem divaga a respeito da falência de seu casamento e, na imediatamente posterior, logo precisamos acompanhar a complexidade intrínseca a representar fatos em forma de filme. O roteiro assinado por Fanny Burdino, Samuel Doux e Cedric Kahn troca de perspectiva de modo banal, alterando o nosso foco sem que necessariamente os resquícios de um tema enriqueçam o próximo e assim por diante. Ainda por cima, esses bastidores são vistos no que têm de comum.

Cedric Kahn não aproveita algumas particularidades, como a interlocução entre atores e pessoas comuns que inspiraram personagens ou mesmo a existência de um registro de bastidor sendo feito. Em algum momento parece que o making of terá mais importância à trama, pois oferece um novo prisma sobre ela, mas isso não acontece. Além disso, há um didatismo incômodo na forma como Kahn utiliza a razão de aspecto (a proporção entre largura e altura) da imagem para diferenciar as três camadas narrativas: o filme, os bastidores e o making of. A tela muda rigorosamente de acordo com o trânsito entre as realidades construídas em Cinema é uma Droga Pesada. O filme preenche a tela, os bastidores são vistos numa janela menor e o making of num recorte menor ainda. Desse modo, o cineasta evita qualquer dúvida, pois sinaliza ao espectador exatamente o que ele está observando naquele momento, evitando confusões. Nos primórdios do cinema, realizadores precisavam colocar algum elemento visual para avisar às plateias que, por exemplo, determinadas cenas se passavam em sonhos ou numa realidade espaço-temporal diferente. Com o avanço da relação espectador-filme, esses subterfúgios puderam ser abolidos em prol de uma experiência mais desafiadora, na qual a dúvida vira ingrediente importante. Cedric Kahn não parece disposto a instigar a plateia com incertezas, mas a tornar a jornada confortável. Isso diz muito sobre sua morna declaração de amor, disfarçada de visão ferina, sobre o fazer cinema.
Filme visto no 14º Festival Varilux de Cinema Francês

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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