Crítica
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Sinopse
A história de Arthur, um exorcista. Charles, um serial killer, o encontra pela internet e contrata seus serviços para proteger sua filha Michele de uma possessão demoníaca.
Crítica
Há uma bem-vinda artesania no desenvolvimento de Mal Nosso, filme que transita por alguns terrenos férteis do horror, imbricando subgêneros para criar uma trama, senão de todo bem-sucedida, até ousada, ao ponto de se tornar instigante. O close no olhar marejado de Arthur (Ademir Esteves) diante das imagens de um homem escalpelando uma mulher deixa claro que ele não compactua com aquela violência vendida na deep web para o deleite de alguns sádicos. A ourivesaria do cineasta Samuel Galli está no cuidado com os detalhes da encenação, qualidade que evita, por exemplo, o sobrepeso das interpretações não tão convincentes, isso para além do mero encaixe nos arquétipos. O protagonista faz contato com o torturador, marcando encontro e confirmando a assinatura de um contrato trágico, que nada tem de benéfico para ninguém. Há um desconforto salientado pela forma truncada deles interagirem. Os termos são obscuros, o que alimenta a curiosidade.
Nesse primeiro momento, o filme mergulha no slasher, vide o comportamento de Charles (Ricardo Casella), sujeito impiedoso que não possui traços de hesitação ao aniquilar as suas vítimas. A sequência da sedução de duas desconhecidas num bar, que culmina com ambas sendo estripadas, apenas guarda o ruído desnecessário delas formarem um casal homossexual que oferece ménage è trois ao homem disposto a pagar. Isso reforça um estereótipo, ainda mais por conta do vislumbre do beijo diante do personagem cujos propósitos transparecem com clareza. No mais, a despeito da maneira enrijecida e dura como os intérpretes proferem seus textos, o que acaba gerando uma sensação frequente de artificialidade, o percurso é desenhado para que tenhamos ojeriza do assassino e ressalvas quanto a Arthur, uma vez que não são muito evidentes as suas intenções, especialmente as que o motivam a estabelecer um pacto com alguém capaz de atrocidades.
Mal Nosso guarda determinadas cartas na manga, elegendo a surpresa como efeito imprescindível à plena adesão ao enredo que se desvela aos poucos. Samuel nos direciona a isso ao esmiuçar as instruções de Arthur a Charles, sinalizando o conteúdo da pasta virtual, protegido por uma senha, como essencial à compreensão do todo. Isso estabelece uma instância de suspense. A existência do segredo é denunciada de pronto e deliberadamente. Uma vez o trabalho executado, numa cena muito bem orquestrada do ponto de vista da construção de tensão, vide a justaposição da limpeza da espingarda com a movimentação das figuras em outro local, o que acarreta um misto de antevisão e expectativa, o longa-metragem entra em outra esfera do terror. Ele passa a abordar o sobrenatural, com seu novelo sendo desenrolado em flashback. Objeção feita à dureza com que tudo é exposto, à ausência de nuances e pormenores, o conjunto é marcante pela engenhosidade.
A perspectiva enviesada, num plano lateral, que registra o encontro do Arthur jovem (Fernando Cardoso) com um Palhaço (Antony Mello), bem como o picadeiro que representa a instância do além-vida e as frequentes ressonâncias de sons expressivos são elementos sintomáticos do empenho de Samuel Galli, o que faz Mal Nosso sobrepujar suas fragilidades. Para isso, o cineasta investe numa delineação imagético-sonora dotada de potência. Não é exatamente o transcorrer da história propriamente dita – que possuiu desvios relativamente fáceis de calcular e revelações simples, nem sempre impactantes o suficiente – a fonte da relevância do filme, mas a talentosa articulação dos componentes cinematográficos à obtenção de reações imediatas, como asco e alívio. Ponto, também, às virtudes da maquiagem, que permitem instantes repulsivos, tais como o citado escalpe, a automutilação do corpo que padece diante de um espírito maligno, e, sobretudo, o demônio enxergado como vilão ameaçador ao ponto de Arthur ir ás últimas consequências para detê-lo e alcançar a paz.
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