Crítica
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Sinopse
O cineasta Malcolm volta para casa logo após a estreia de seu mais novo filme. Ele aguarda a resposta da crítica ao lado de sua namorada, Marie. Porém, a noite acaba tomando rumos inesperados.
Crítica
É imprescindível que aqui Malcolm (John David Washington) seja um cineasta. Isso, porque boa parte das discussões de Malcolm & Marie são a respeito do cinema, especificamente sobre a nem sempre harmônica relação entre crítica e realizadores. Pode-se dizer que em alguns momentos os vários distúrbios no envolvimento com Marie (Zendaya) são quase desculpas para trazer à tona o descontentamento com a suposta ineficiência dos encarregados de avaliar as obras. Vide as inúmeras (e coléricas) observações quanto à inclinação por leituras reducionistas e/ou sensacionalistas. O protagonista masculino fala, por exemplo, que prevê ser compreendido como alguém em busca de uma alegoria especificamente racial ao propor a história de uma mulher negra viciada em drogas pelo hostil sistema de saúde dos Estados Unidos. Nesses instantes, a personagem principal feminina se torna o contraponto, a que coloca em xeque a verborragia ressentida, como ao rebater a amargura dele ao lembrar que seu próximo longa será sobre Ângela Davis. Ela também oferece os próprios fantasmas e demônios para percebermos que a sensatez não é necessariamente um convidado nessa dinâmica de réplicas e tréplicas complicadoras, repletas de desgostos e agressividade. Ao se sentir acuado, ele constantemente a desqualifica questionando sanidade e estabilidade mental, exibindo seu machismo.
Malcolm & Marie pode ser tachado por alguns como excessivamente teatral. Porém, tal leitura preguiçosa não estaria levando em conta os esforços puramente cinematográficos do diretor Sam Levinson, especialmente os da valorização da distância tomada dos personagens e das circunstâncias, engrenagem visual imprescindível para enfatizar as dominantes emocionais. Como espectadores do teatro, sobretudo tendo em vista o tradicional palco italiano, somos condicionados pelo intervalo em relação à cena, assim não nos sendo permitido um estreitamento de foco numa reação e/ou num meneio revelador, por exemplo. Neste filme, a câmera persegue os gestos que possam denunciar o instintivamente escondido, algo que ao menos coloque em crise a onipotência das palavras, numa tentativa nem sempre próspera de ressaltar o discurso não verbal em meio à torrente praticamente intermitente de falas. Apesar do esforço, é mesmo nos dizeres, assim como nas suas intensidades e entonações oscilantes, que residem as principais forças da trama. O texto é muito bem interpretado/vociferado por John David Washington e Zendaya. Ela sobressai como a jovem que engatilha o conflito ao perguntar ao namorado os motivos dele ter esquecido de agradecê-la em público na première. Parece bobo, mas o melindre vai tendo reveladas suas raízes aos poucos, iluminando tantas outras fissuras.
Dependendo da visão do crítico/espectador, da sua bagagem prévia, bem como natureza da adesão a determinados exemplares pregressos, às vezes é praticamente incontornável compreender alguns filmes à luz de outros anteriormente consolidados em certos segmentos. Quando o assunto é o conflito matrimonial, difícil não ter em mente, como parâmetro, uma obra-prima como Cenas de um Casamento (1973), minissérie dirigida por Ingmar Bergman que teve um corte para a telona. Aliás, o cineasta sueco frequentemente observou como princípio de sua abordagem dos relacionamentos amorosos a profunda incapacidade de conciliação de termos íntimos, componente que tornaria impossível a concretização do ideal romântico do “felizes para sempre”. Diferentemente do seu já falecido (e genial) colega, Sam Levinson não dilui os senões pelas frestas de circunstâncias aparentemente felizes/calmas. Ele separa muito bem, com uma considerável dose de esquematismo, quando personagens estão para o amor e quando se identificam mais com uma proposição bélica. As coisas começam azedas, vão ganhando uma pressão enorme, cuja sensação é de inevitabilidade do rompimento, são aliviadas pelo carinho e voltam a azedar. Sempre, sem tantas variações.
Voltando à questão da discussão sobre o cinema, ora contrabandeada para dentro da história de desavenças, ora evidentemente protagonista, ela ganha um capítulo reiterativo na inusitada reação de Malcolm à resenha positiva, escrita por uma jornalista branca que acaba reproduzindo os lugares-comuns por ele denunciados na primeira investida contra os críticos (ou seja, o cineasta tem razão). Na grande cena de John David Washington, ele esperneia violentamente contra os lugares-comuns e a falta da vontade de radicalizar. Embora não seja refratário ao elogio, fica indignado por ter sido incompreendido, em virtude de ser preconcebido como artista político pelo fato de ser negro. Malcolm & Marie consegue estabelecer um elo orgânico entre essa reação do artista e a forma como responde às demandas pessoais. Mas, a estrutura do roteiro, que prevê uma sucessão de pequenos monólogos ligeiramente isolados por tema e tom, contribui para essas reflexões ficarem restritas à sua erupção. E isso também é válido aos aspectos do relacionamento sentimental em convulsão. Há o anseio pela complexidade, a vontade de restringir o espaço dos simplismos, algo mais bem-sucedido quanto à personagem de Zendaya, inclusive pelo trabalho excepcional da atriz que expressa melhor suas fragilidades.
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