Sinopse
Crítica
Só Spike Lee poderia dirigir um filme como Malcolm X. E essa opinião não vem apenas do espectador ou da crítica, mas do próprio cineasta, que forçou sua entrada na produção assim que soube que estavam concebendo uma cinebiografia do líder negro. Os direitos de adaptação da biografia oficial de Malcolm X, assinada por Alex Haley, já haviam sido adquiridos desde os anos de 1970, mas passaram por diversos tratamentos e roteiristas diferentes até encontrar seu escriba final, Arnold Pearl. Tudo estava acertado para que o engajado cineasta Norman Jewison (No Calor da Noite, 1967) comandasse o filme, mas Lee interveio, apontando que um cineasta branco não poderia fazer jus à história do retratado. Depois de certa pressão, Jewison deixou o projeto nas mãos do cineasta de Faça a Coisa Certa (1988). Mas isso não seria o final das polêmicas que Spike Lee se envolveria na produção desta poderosa cinebiografia.
Para começar, o diretor pretendia um épico de 3 horas de duração, tudo para conseguir abranger boa parte da vida de Malcolm, desde os tempos que ele atendia pelo apelido Red e praticava atos ilícitos no Harlem, passando pela sua vida em Boston, onde foi preso e sentenciado a 10 anos de cárcere, até sua conversão ao Islamismo e sua ascensão junto à Nação do Islã, quando passou a agregar o “X” ao seu nome. Produção de época com metragem extensa merece um orçamento robusto, mas Spike Lee conseguiu apenas US$ 28 milhões da Warner Bros – que encomendou um filme de, no máximo, 2 horas e 15 minutos. Relutante, o diretor continuou seus planos iniciais e estourou o orçamento em US$ 5 milhões, fato que paralisou a pós-produção. Lee, claro, não ficou quieto e partiu para a mídia, tentando resgatar seu filme. Amigos influentes como Oprah Winfrey, Michael Jordan e Bill Cosby partiram para a ajuda e doaram o dinheiro que faltava para a conclusão. Não bastasse isso, o diretor cedeu boa parte do seu salário até que a Warner fosse convencida a lhe devolver o controle da produção.
A teimosia de Spike Lee acabou se pagando. O que vemos nos 202 minutos de Malcolm X é uma produção caprichada, intensa e respeitosa sobre o personagem título, interpretado com muito vigor por um jovem Denzel Washington. Não é fácil abarcar uma vida com tantos momentos distintos ou mesmo interpretá-los na tela com igual competência. Por isso, Lee e Washington merecem todos os louros que receberam por este trabalho. O primeiro sabiamente realiza um drama episódico, tentando dar espaço para cada uma das principais passagens da vida do retratado. Por ter esta característica, temos a oportunidade de observar a versatilidade de Spike Lee, que comanda um filme com pitadas de musical (vide a cena da festa logo no primeiro ato), comédia e documentário. Claro que o foco maior é no drama biográfico e, ainda que o cineasta acabe por especular em alguns pontos da vida de Malcolm X, ele tem coragem o suficiente para não ceder a muitas concessões. Parece que estamos vendo uma versão muito crua de quem aquele líder afro-americano era realmente, com seus defeitos e qualidades retratados de maneira que conheçamos esta figura humana que, hoje, é mítica para boa parte da comunidade negra.
Para isso, Lee não economizou tempo para desenvolver seu protagonista. Vemos Malcolm ainda jovem, muito afeito à cultura branca – alisava seus cabelos e se envolvia com loiras, preferencialmente. Acompanhamos sua derrocada no mundo das drogas e do crime, até que é salvo por um parceiro de cela que apresenta a ele o Islamismo e a figura do líder Elijah Muhammad (Al Freeman Jr.), fundador da Nação do Islã. A partir dali, a cinebiografia dá uma verdadeira guinada e parte para seus momentos mais polêmicos, retratando as ideias contestadoras (e contestáveis) de Malcolm X, um dos ministros e porta-voz mais ferrenho da fala de Muhammad. Segundo o grupo religioso, a única saída para os reiterados atos de ódio entre brancos e negros era a separação total das raças nos Estados Unidos. Com discursos enfurecidos, distantes completamente do que Martin Luther King pregava na época, Malcolm X passou a ser reconhecido por estas ideias radicais.
Denzel Washington, por sua vez, se destaca por entregar uma atuação que vai além da mera cópia do retratado. Existe material farto a respeito dos discursos de Malcolm X e de como ele se portava e falava. Mas ele vai além. Até porque é necessário imaginar e pesquisar como seu personagem vivia antes da fama. Malcolm não foi sempre engajado. Ele teve seus tempos de rebeldia, de diversão. Ele teve uma vida de crimes, envolvido com drogas. O ator constrói um personagem crível, que passa por todos estes momentos distintos, nascendo e renascendo diversas vezes. Difícil imaginar que aquele rapaz que andava com trajes coloridos e alisava o cabelo se tornaria o homem sério e totalmente comprometido com a causa de sua raça. O fato de estarmos diante de uma história real nos faz acreditar, assim como a atuação de Denzel Washington, indicado ao Oscar por sua performance.
Além de Washington, o elenco de apoio é formado por nomes talentosíssimos como Angela Bassett (vivendo a esposa de Malcolm, Betty), Delroy Lindo, Albert Hall e o próprio Spike Lee, servindo como o alívio cômico em alguns momentos. Somando este belo cast aos figurinos concebidos por Ruth Carter e a fotografia de Ernest Dickerson, temos uma produção requintada, mostrando que o diretor fez milagres com o orçamento enxuto que recebeu do estúdio.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Rodrigo de Oliveira | 8 |
Bianca Zasso | 8 |
Wallace Andrioli | 10 |
Chico Fireman | 8 |
MÉDIA | 8.5 |
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