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Crítica


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Sinopse

Depois de ter sonhos com pessoas sendo brutalmente assassinadas, Madison descobre que, na verdade, esses eventos são visões de crimes enquanto eles estão acontecendo. Tudo está conectado a uma entidade maligna.

Crítica

Difícil falar sobre um filme como Maligno sem revelar pontos cruciais da trama, dados que, uma vez sabidos, definitivamente estragarão a experiência daqueles que ainda não assistiram ao longa. Afinal, esta é uma história cujo desfecho é tão surpreendente que qualquer informação antecipada irá afetar o envolvimento da audiência de forma irreversível, algo visto raras vezes no cinema, visto a relevância de casos como Psicose (1960) e O Sexto Sentido (1999), entre (poucos) outros. Tais comparações indicariam que o longa dirigido por James Wan estaria em pé de igualdade aos clássicos assinados por Alfred Hitchcock ou M. Night Shyamalan aqui citados? Definitivamente, sim. Afinal, não é sempre que se tem a oportunidade de presenciar um realizador no total e completo domínio de sua própria atividade, brincando com os elementos do gênero ao qual se apropria com imensa habilidade, fazendo uso dos mesmos não apenas para o fluir dos eventos que se dispõe a narrar, mas como reverência ao que foi feito antes nessa mesma linha e como referência ao que de alusivo é ao formato. É como se, a todo instante, estivesse dando um piscar de canto do olho para o espectador, indicando que não só antecipa as reações que irá provocar, como também está mais do que preparado para lidar com elas da forma mais inesperada possível.

Apesar de constar em sua filmografia títulos como Velozes e Furiosos 7 (2015) e Aquaman (2018), dois projetos que arrecadaram nas bilheterias mais de US$ 1 bilhão cada em todo o mundo – o que seria motivo de (muito) orgulho para qualquer cineasta – Wan opta por simplesmente ignorar tais citações no material de divulgação de Maligno, preferindo se ater às sagas por ele criadas que, de fato, são frutos de sua mais original visão: Jogos Mortais, Sobrenatural e Invocação do Mal. Afinal, é nessa linha que sua mais recente incursão no âmbito do suspense e terror se afilia. E todos os ingredientes de uma fórmula há muito conhecida estão novamente reunidos: o casarão gótico à beira de um precipício em uma noite chuvosa, acontecimentos inexplicáveis em meio às sombras, uma protagonista aparentemente frágil e vítima de maus tratos, eventos do passado que voltam a assombrar personagens do presente. A questão, portanto, não é tanto o que se apresenta ou aquilo que porventura se poderia acusar ausência, mas como o diretor aproveita cada um destes recursos reunidos. É através dessa engenhosidade que, aos poucos, vai revelando suas armas – e as reais intenções por trás de tanta cortina de fumaça.

Se de imediato o espectador é convidado a acompanhar o relato da doutora Weaver (Jacqueline McKenzie, de Promessas de Guerra, 2014), que admite não ser mais capaz de lidar com as excentricidades de determinado paciente, chegando ao extremo de afirmar que “é preciso cortar o câncer de vez”, logo a trama avança algumas décadas, até os dias atuais, para apresentar Madison (Annabelle Wallis, voltando a trabalhar com o diretor após Annabelle, 2014), uma enfermeira gestante envolta por um relacionamento abusivo com Derek (Jake Abel, de Supernatural, 2009-2020), que reclama da esposa não conseguir manter uma gravidez até o final. Após mais uma agressão, que termina com ela sendo jogada contra a parede, o marido é colocado para dormir no sofá da sala. É nessa noite quando os incidentes começam. Primeiro um liquidificador é ligado no meio da madrugada. A porta da geladeira que se abre. A televisão que liga apenas para exibir estática. Intrigado, o rapaz investiga, mas como é de praxe em casos (e filmes) assim, nenhuma lâmpada é acesa, nem mesmo um sinal de alerta chega a ser emitido. Quando novos sinais não mais se manifestam, o ataque final se consome: Gabriel surge das trevas e parte para cima da vítima.

Como dito no começo desse texto, é melhor parar por aqui e não mais revelar a respeito da história. Importante saber, no entanto, que este é apenas o primeiro de uma série de assassinatos que começam a ser cometidos, cada um com um desfecho pior do que o anterior. Os detetives Kekoa Shaw e Regina Moss (George Young e Michole Briana White, ambos canastrões e comprometidos na medida certa) assumem o caso, e por maior que seja a quantidade de absurdos com as quais vão se deparando, seguem mergulhando nas improváveis pistas encontradas. E, por fim, é certo que entre Gabriel e Madison há uma conexão difícil de ser racionalizada – há uma evidente ligação psíquica entre eles – que acaba por envolver tanto a irmã dela, Sydney (Maddie Hasson, de Sr. Mercedes, 2017-2019), quanto uma anônima guia turística que termina sequestrada. São pedaços de um quebra-cabeça que vão se apresentando de forma quase aleatória, mas que não se duvide: são partes de um todo maior, e cada um deverá encontrar o seu devido espaço até a formação de um cenário ainda mais intrigante e absurdo – e, por isso mesmo, inegavelmente envolvente.

Quando Maligno começa a apresentar o desenrolar de seus acontecimentos, a impressão é de se estar diante de velhos conhecidos, porém revisitados a partir do olhar de um profundo conhecedor daqueles ambientes, que os retoma com propriedade e respeito. Aos poucos essa sensação vai se confirmando, ao mesmo tempo em que vai além, indicando se estar diante do início de algo capaz de gerar muitos novos – e inferiores – frutos. Poderia ser o piloto de uma série, ou mesmo o começo de uma nova franquia cinematográfica (ambos destinos ainda possíveis). É somente quando se aproxima de seu desfecho que o realizador revela todas as suas cartas, afirmando ter feito não apenas o impensável, mas além, domando o improvável com tamanha segurança e controle que até mesmo o maior dos disparates se torna crível diante do espanto dos mais céticos. Eis aqui um filme que sabe bem o que pretende e como atingir tal resultado, não se importando o quão fundo tenha que ir em cada uma das suas escolhas. É por essa resiliência e determinação, combinada a um conjunto tão apaixonado quanto assustador, que sua força se confirma, entregando algo ao mesmo tempo único e múltiplo, seja pela forma como recombina velhos signos como também os aproveita com originalidade e efervescência. O efeito é singular, e por isso mesmo, perdura além das imagens geradas em cena. Um feito que não pode ser desprezado.

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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