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Sinopse

Sem dinheiro e vivendo das glórias do passado, Mallandro precisa se reinventar. Recém eliminado de um reality show e com dívidas se acumulando, Sérgio aceita participar de um piloto para um novo programa de auditório. Porém, quando uma pegadinha dá errado, ele se vê em uma situação de vida ou morte e precisa tomar uma decisão que pode afetar sua carreira para sempre.

Crítica

Quando anunciada, a ideia de um filme metalinguístico sobre Sérgio Mallandro parecia bastante promissora. Afinal de contas, é difícil discernir entre o personagem que dispara “ié iés” e “glu glus” como uma metralhadora descontrolada e Sérgio Neiva Cavalcanti, o carioca nascido nos anos 1950 que seria uma das figuras mais populares da televisão brasileira nos anos 1980/90. Então, o cineasta Marco Antonio de Carvalho tinha uma oportunidade enorme de trabalhar nessa área cinzenta a fim de brincar com a instigante confusão entre fatos e invenções, com isso talvez escancarando um processo interessante de autoficção. Infelizmente, não é o que vemos em Mallandro: O Errado Que Deu Certo, comédia desajeitada que assume contornos de guia motivacional enquanto se aproxima de seu fim. No começo do longa-metragem, Mallandro é um sujeito angustiado por não ser levado a sério, obrigado pelo público cativo a ser engraçado e nonsense em situações completamente inusitadas, como em velórios. No entanto, o incômodo por ser sempre tratado como celebridade espalhafatosa, por ter seus bordões reproduzidos em circunstâncias impróprias, não é mais do que a matéria-prima de um prólogo enganoso. Sim, pois esse sentimento não está presente no restante do filme, não reaparecendo como elemento importante ou ainda na condição de complicador do processo de reerguimento do protagonista.

Mas, talvez seja um erro creditar os problemas de Mallandro: O Errado Que Deu Certo somente à direção de Marco Antonio de Carvalho, pois o roteiro assinado por Pedro Antônio, Sylvio Gonçalves, Sergio Mallandro e Ulisses Mattos se encarrega da banalização de personagens, situações e contextos. São diversos os desperdícios em prol de esquetes pouco engraçadas e às vezes repetitivas, como os (vários) momentos de Mallandro divagando sem objetivo em fluxos de pensamento que, uma vez verbalizados, parecem engambelação. O ex-apresentador é visto numa fase precária de sua celebridade, quando parece mais um objeto de museu da televisão brasileira que permanece vivo por conta da memória afetiva dos que atualmente têm mais de 35 anos. A premissa do palhaço obsoleto nos remete diretamente a Luzes da Ribalta (1952), no qual Charles Chaplin confere tintas melodramáticas ao artista sobrevivente das migalhas da memória, cujo sucesso pretérito garante, no máximo, a admiração de uma parcela pequena do público. No entanto, a produção brasileira não trabalha bem essa sensação de que o tempo de Mallandro passou, quando muito sinalizando levemente que as pegadinhas do passado não têm efeito na atualidade. Os filhos de Mallandro poderiam servir para estabelecer essa diferença geracional que o filme propõe (e não elabora) como algo importante. Mas eles pouco importam.

Mallandro: O Errado Que Deu Certo almeja ser um filme do tipo “lição de moral que leva ao aprendizado capaz de promover uma volta por cima”. Perseguindo esse princípio, Marco Antonio de Carvalho não desenvolve a incapacidade de Mallandro de sair um pouco do personagem para encarar questões de ordem prática, como os boletos vencidos e as intimações judiciais. Diante das ex-esposas, mães de seus filhos, ele é confrontado por ser um pai irresponsável que prioriza a carreira, mas o filme não é capaz de avançar centímetros nesse sentido. Os obstáculos diante de Mallandro são apenas barreiras ocasionais, servindo esquematicamente como empecilhos momentâneos que travam o crescimento pessoal do protagonista. O roteiro criado a oito mãos propõe uma rota repleta de acidentes mal situados na qual Mallandro se depara com coisas importantes. Porém, como essas “coisas importantes” não são bem desenvolvidas (algumas sequer têm qualquer peso dramático), tudo fica parecendo excessivamente artificial e sem propósito. Então, o realizador não consegue trabalhar com a lógica da obsolescência do artista, tampouco atingindo alguma relevância na conexão com os filhos, na mudança do público, na necessidade de reinvenção, no caos e na sempre empolgante confusão entre realidade e ficção. Trata-se de uma comédia que procura a nostalgia como uma tábua de salvação para não afundar.

Marco Antonio de Carvalho recorre repetidamente ao lugar-comum das transições com tomadas no estilo “cartão postal” das paisagens do Rio de Janeiro. Além disso, é avesso ao silêncio, repetindo outro velho chavão dos nossos filmes recentes que miram grandes públicos. Mallandro: O Errado Que Deu Certo tinha tudo para ser interessante, principalmente por se tratar de uma metalinguagem sobre essa personalidade excêntrica de Sergio Mallandro, diante da qual é realmente difícil saber onde começa a ficção e termina a realidade (se é que dá para demarcar essas fronteiras). Há sequências que recorrem à repetição para nada, como nas vezes em que o protagonista interage com o delegado interpretado por André Mattos. Àqueles que acompanharam a carreira cinematográfica e televisiva de Sergio Mallandro, há apelos diretos à nostalgia, como a cena com Xuxa Meneghel na pele de uma anjo da guarda encarregada de piscar à plateia saudosa – eles formaram um par romântico pouco ortodoxo em Lua de Cristal (1990). No entanto, tudo é muito rápido e banalizado nessa produção que consegue vulgarizar crises pessoais, diferenças geracionais, anacronismos e até mesmo a capacidade de superação. O resultado soa mais como uma autocelebração do que necessariamente como exploração de um personagem que daria pano para manga dentro de uma abordagem metalinguística. Embutida em quase tudo, a lição de moral vai transformando o longa numa cansativa egotrip de autoajuda.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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