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Crítica


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Sinopse

Os dias quentes de verão são ofuscados por um véu de tristeza. O vazio deixado pela morte de uma menina persegue a todos numa rotina de sinais banais e rituais secretos.

Crítica

Mamãe, mamãe, mamãe”. É o que dizem os filhos nos momentos de desespero. E esses são muitos, como bem se sabe. Quando pequenos, podem se sentir inseguros pelos mais diversos motivos, seja por uma ausência momentânea, uma mudança de dinâmica, ou até mesmo por uma quebra de padrões de comportamento. Se o que era assim passa a ocorrer de uma outra forma, qual será o impacto dessa mudança diante daqueles ainda em formação? A pergunta é tanto provocadora quanto inconclusiva, pois cada um irá reagir de um modo diferente. Mas se pequenos momentos do cotidiano podem acabar adquirindo importâncias diversas frente aos que estão recém descobrindo o mundo, o que esperar quando a ameaça é, enfim, verdadeira? É de uma investigação sobre sentimentos como esses que Mamãe, Mamãe, Mamãe se ocupa, fazendo do filme da diretora e roteirista Sol Berruezo Pichon-Riviére um conjunto maior do que suas partes poderia dar a entender.

O título poderia ser o mesmo de um dos menos conhecidos de Fellini: A Cidade das Mulheres. Apenas elas estão em cena. Mas ao contrário da fábula provocadora estrelada por Marcello Mastroianni, aqui são crianças, não mais do que garotas. Quando um personagem masculino finalmente aparece, entra mudo, e assim permanece: o seu olhar, lascivo mesmo em frente àquelas que nem bem entraram na adolescência – e algumas, nem mesmo isso – é capaz de dizer mais do que qualquer palavra que ousasse pronunciar. Estão em território que é praticamente refúgio, e como tal, deveria primar pela principal qualidade de um ambiente como esse: a segurança. Pois é justamente essa a maior falha do citado espaço. Uma delas se foi, para não mais voltar. Os adultos choram, enquanto que aquelas perdidas entre a infância e a idade adulta seguem confusas, sem saber para onde vão, muito menos do que estão se afastando.

Assim, como serviçais apenas, eles surgem para isolar a zona de perigo, que tanta festa já proporcionou, mas agora comporta apenas uma sombra de tristeza e arrependimento. A mais nova delas, sem a devida guarda necessária, na água da piscina se jogou, e de lá saiu apenas sem vida. A mãe, mergulhada em uma depressão que talvez possa ser explicada pela atual – e possivelmente recente – condição solitária, se vê num desespero ainda maior. Sabe que a culpa é sua, porém, se lhe faltavam forças antes, era tudo o que bastava para que lhe fossem drenadas toda e qualquer motivação possível. Este é o seu fundo do poço particular. Mas quando se olha apenas para si, esquece-se com imensa facilidade de todos os demais. Aqueles ao seu redor, que a observam, a admiram, que dela dependem. Como Cleo.

A irmã mais velha agora se tornou filha única. E será rodeada pelas primas que terá que descobrir como sobreviver a uma perda que nem bem entende. A mãe não lhe é útil, a avó surge apenas para alcançar a filha, sem chances de entender também o que se passa com a neta. Resta a tia, que pouco tempo tem para cuidar de tantas meninas. Lembra um desenho do Tom & Jerry, nos quais os animais de estimação eram os protagonistas e os adultos, os verdadeiros donos da casa, nunca mostravam mais do que pernas e sapatos. Mas se lá o tom era cômico, aqui o viés é de comiseração e sofrimento calado. Tão silencioso que por vezes nem a própria protagonista chega a escutar.

Ao invés de investir em uma solução mais radical, como Sofia Coppola tão bem vez em As Virgens Suicidas (1999), a argentina Pichon-Riviére, aqui em seu primeiro trabalho como realizadora, opta por um conjunto mais sutil, mas não menos poderoso. A ameaça segue pairando sobre elas, seja através de um coelho desaparecido, da caçula perdida na mata, da nova amiga que chega com um conto ainda mais perturbador. E enquanto isso, vão aprendendo que o socorro nem sempre chega à tempo. Mamãe, Mamãe, Mamãe diz muito por suas entrelinhas, pelas trocas de olhares, pelos pequenos acontecimentos. Quase nunca resultam no pior, mas quando assim se sucede, a dimensão da tragédia recairá por todas sem distinção. Juntas na dor, mas também no recomeçar.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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