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Sinopse

JC é um produtor musical que vive em Bayamo, no leste de Cuba. Ele atravessa dificuldades financeiras dentro de um país empobrecido e isolado pelo embargo dos Estados Unidos. Um dia, descobre a possibilidade de enriquecer rapidamente com a compra de pedras preciosas. JC decide investir tudo neste plano arriscado.

Crítica

Mambo Man: Guiado pela Música (2020) parte do desejo de abraçar a vida cotidiana em Cuba. A maioria das cenas se passa a céu aberto, entre vielas, feiras, fazendas e pequenos comércios, ou nas salas de estar de uma dezena de personagens. JC (Héctor Noas) constitui menos um personagem autônomo do que um fio condutor, encarregado de transitar entre uma dúzia de espaços diferentes e interagir com diversos personagens coadjuvantes. Os diretores Edesio Alejandro e Mo Fini tratam a coletividade como protagonista, num gesto louvável para um projeto que defende com tanto afeto a ideia de um país solidário. A dupla investe no conceito de nação-bairro onde todos se conhecem, conversam pelas ruas e entram nas casas alheias sem cerimônia. As cenas se concentram no carinho diário, nas pequenas malandragens e nas dívidas de honra. Quando é chamado de Mambo Man por um colega, JC se surpreende, mas logo escuta a resposta de que, assim como o mambo, ele está presente em todos os lugares. Singela proposta da música enquanto elemento que atravessa fronteiras: o projeto encontra na musicalidade a ilustração de um socialismo democrático.

Tamanha generosidade com a ilha jamais esconde a vocação turística desta iniciativa. Uma longuíssima sequência apresenta viajantes escutando boa música e comendo refeições fartas, enquanto conversam com nativos plenos de simpatia. Embora conte com recursos bastante modestos, a ficção representa Cuba como um pequeno paraíso perdido no tempo. Os personagens reclamam da pobreza e do bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos, embora comemorem a preservação dos costumes locais, sem incorporarem tantos elementos do estilo de vida capitalista. A utilização da música sublinha o aspecto panfletário, visto que jamais vemos JC produzindo nenhuma dessas bandas, e ignoramos qualquer talento musical do herói. Ele apenas circula por bares e eventos e conversa com conhecidos, enquanto ícones do nível de Omara Portuondo e Candido Fabre se apresentam em segundo plano. A música se torna literalmente pano de fundo, lembrança insistente de um país divertido, rítmico e caloroso. Até por isso, o subtítulo brasileiro, “guiado pela música”, soa exagerado, em descompasso com o filme onde JC presta atenção ínfima ao mambo que o cerca.

Infelizmente, o filme dispõe de recursos técnicos muito fracos. A equipe possui experiência limitada em suas funções: Edesio Alejandro e Mo Fini dirigem sua primeira ficção, este último assina um roteiro pela primeira vez, ao lado do igualmente inexperiente Paul Morris. Julio Cesar nunca havia produzido antes; o diretor de fotografia Luis Alberto Gonzalez Garcia jamais havia trabalhado num longa de ficção; Edesio Alejandro não tinha assinado a montagem de nenhum projeto. O cinema conta com múltiplos casos de equipes iniciantes construindo grandes obras, no entanto, o filme cubano transparece a inexperiência em cada cena, além das limitações orçamentárias. Desde a sequência inicial, saturada de tomadas aéreas em drones, até as cenas internas, onde a câmera se espreme no canto superior dos pequenos cômodos para filmar todos os personagens, nota-se a dificuldade de trabalhar tempos e espaços. Aparentemente, não há qualquer refletor de luz em todo o projeto, e a captação de som se revela modesta, trazendo fortes desníveis de volume e qualidade. A montagem se inicia no meio de uma cena e, sobretudo, hesita quanto a instante correto de interrompê-la, recorrendo a um sem-número de fades anticlimáticos. O resultado sofre com a falta de ritmo e de foco: qualquer produtor mais experiente teria polido esta frágil confecção.

Quanto à trajetória de JC, o projeto conta com um bom ator na função de catalisador da trama. O personagem convence pouco enquanto produtor e “coronel” de seu vilarejo, por falhas que cabem ao roteiro, não ao ator. Héctor Noas desenvolve uma persona agradável, de gestos e comunicação simples e acolhedores. Ele aparenta de fato conhecer todas aquelas pessoas, possuindo intimidade com as dezenas de comerciantes e moradores ao redor. O intérprete evita forçar os diálogos, entregando uma composição crua que serve bem ao filme como um todo. No entanto, o único conflito vivido por este homem durante a integralidade da narrativa soa frágil demais: o plano da compra de joias preciosas surge abruptamente, quando o personagem aparentava levar uma vida confortável. Até então, a figura de golpista soava distante de JC, e antes de o herói pronunciar “Nunca estive numa situação tão desesperada”, não havia sinal de miséria à vista. Os motivos que aproximam este homem de um negócio perigoso são mal elaborados pelo roteiro, e concluídos de modo tão insatisfatório que se assemelha a um erro de montagem.

Por um lado, é clara a ternura dos criadores pelos cubanos, pelo ideal de um país unido e resistente – não por acaso, os dois gestos de traição provêm de personagens que pretendem trocar a ilha por Miami. As andanças do “mambo man” por sua cidade trazem pequenos momentos de espontaneidade, que fazem bem ao roteiro singelo. Por outro lado, o domínio da linguagem é restrito demais. Haveria diversas formas de contornar as falhas de produção através de uso criativo de elementos estéticos, no entanto, os diretores se contentam com a ilustração mais básica das interações: plano e contraplano durante as conversas, uma câmera móvel e circular durante o almoço com turistas, um zoom out engrandecedor na cena de conclusão. Pobre da música cubana, relegada a uma posição secundária, sem destaque nem importância cênica. Os grandes artistas tocando ao fundo lembram os artistas em restaurantes, escutados por falta de opção, dentro de um espaço onde se encarregam de evitar o silêncio. Existem mais belezas nesta Cuba solidária do que os criadores conseguem mostrar.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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