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Sinopse

Um soldado dispensado de forma desonrosa procura seu pai distante para ajudá-lo. Ele quer realizar o sonho de correr no campeonato SuperSport.

Crítica

Histórias de famílias disfuncionais e acertos de conta entre pessoas do mesmo sangue sempre dão muito pano para manga no cinema. Atire a primeira pedra quem não se identifica, ao menos um pouco, com essas tramas em que filhos expressam dificuldades para lidar com as mais diversas cargas hereditárias e, por sua vez, pais/mães também deixam à mostra as dificuldades para assumir as responsabilidades parentais. Em Manobra Arriscada, mais do que o excitante e perigoso mundo da motovelocidade, o importante é a maneira como o roteiro constrói uma teia de relações paternais para dar conta do cenário explorado incontáveis vezes em filmes anteriores, algo compreensível por sua natureza praticamente inesgotável. Para o rebelde Wes Neal (K.J. Apa), a velocidade sobre duas rodas não é uma forma direta de afrontar a morte ou receber um choque desfibrilador que o tire do marasmo de uma vida medíocre. É a estratégia inconsciente para se aproximar do homem que abandonou a sua mãe e ele próprio muito cedo. Depois de cumprir pena na cadeia militar por apostar dinheiro na sua capacidade de acelerar mais do que qualquer um na pista, ele vai ao encontro de Dean Miller (Eric Dane), motociclista competidor que preferiu seguir a obsessão pela adrenalina do que cuidar de uma família. E o que vemos no filme é o trajeto em que o protagonista vai configurar outra paternidade possível.

Em que pese o esquematismo desse painel feito de relações estabelecidas para suprir a falta de pais ausentes ou pouco exemplares, Manobra Arriscada se sai bem ao estabelecer a pista como uma espécie de arena catártica em que os personagens extravasam coisas que nem sempre conseguem dizer. Aliás, um dos assuntos implícitos em boa parte desse drama é a dificuldade masculina de expressar sentimentos, vide os diálogos truncados entre pai e filho, as mensagens cifradas de Abel (Edward James Olmos), uma espécie de avô emprestado do protagonista, e o próprio comportamento um tanto desconfiado e introspectivo de Wes. Pena que o jovem realizador Kelly Blatz não aposte mais agressivamente no desenvolvimento dessas barreiras comunicacionais, vez ou outra chegando a contradizer tais empecilhos. Ocasionalmente, ele enfatiza desabafos convencionais, trazendo à tona um tanto artificialmente aquilo que esses homens desejam, quando muito, manifestar de um jeito menos direto. Nesse sentido, são bem mais eficientes as correlações entre as barreiras emocionais e o que acontece na pista, como quando vencer ou perder e fazer uma curva com mais ou menos perícia importa menos como gesto físico/esportivo e mais enquanto manifestação do sintoma de algo. Logo percebemos que para seguir adiante Wes precisa ser diferente do pai ausente e romper com a dor do abandono.

Ainda que Kelly Blatz não mergulhe vertiginosamente nesse poço de subjetividades, Manobra Arriscada é bem-sucedido como drama mediano sobre pais e filhos se conhecendo. Mesmo que as cenas de corridas atinjam um nível emocional bem limitado – principalmente pelo modo “quadrado” como a atividade é registrada –, o filme ainda consegue apresentar uma trajetória dramática interessante feita de compreensões sobre possibilidades e impossibilidades. Na medida em que Wes toma contato com o pai errático, ora seguindo seus passos como alguém em busca de aprovação, ora tentando se distanciar do modelo de paternidade que o fez sofrer na infância, ele adquire um entendimento do que precisa fazer para se reerguer e não ser mais condicionado pela frustração como filho abandonado: Wes precisa ser um pai melhor. Claro que essa cura de uma ferida emocional é apresentada de modo simplista, pois certamente não basta romper um ciclo de abandonos e agressividade paterno para colocar as coisas nos eixos. Além disso, a ideia de um menino que, para amadurecer, precisa virar pai diz respeito a uma visão bastante conservadora e recorrente no imaginário norte-americano – até os super-heróis da Marvel está se transformando em pais a fim de passar uma imagem de maturidade, de fase nova. Porém, o mais importante aqui é como todos elaboram as dores e delícias de ter uma família.

Uma das principais figuras do elenco da série Riverdale (2017-2023), K.J. Apa se sai relativamente bem como esse protagonista em busca do acerto de contas com a angustiante herança paterna, sobretudo pela maneira como expressa a fragilidade do personagem que deseja passar uma imagem de sujeito durão. Manobra Arriscada é um filme de homens, no qual o feminino ganha espaço apenas como suporte emocional e meio de alcançar a redenção. Camila (Maia Reficco), o interesse amoroso de Wes, é uma personagem praticamente sem subjetividade, servindo apenas como aquela que oferece ao protagonista a possibilidade de formar uma família e com isso evitar um futuro frustrado como o do pai. Tanto que até os momentos de indignação de Camila com alguma atitude de seu ficante servem, estritamente, para ele repensar a vida e, eventualmente, desabafar aquilo que parece guardado há tempos em seu peito. O garoto em busca de um pai; o sujeito que fugiu da responsabilidade encontrando no filho tardio a possibilidade de se redimir da mediocridade; o idoso enxergando no recém-chegado uma fagulha de esperança; a mãe solo com pouco espaço para ir além de uma peça funcional nesse jogo de xadrez manjado, mas ainda assim interessante por suas intenções dramáticas. O mínimo que se pode dizer dessa produção é que, mesmo aos trancos e barrancos, propõe coisas adultas.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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