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Crítica


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Sinopse

Um transformista vai pedir emprego para um antigo conhecido que é dono de um cabaré. As trocas de olhares entre eles durante uma conversa aparentemente protocolar revela muitas coisas.

Crítica

Para diversas pessoas, cinema é necessariamente algo pirotécnico que precisa de toneladas de equipamentos e muito barulho para existir. Mansão do Amor, da cineasta pernambucana Renata Pinheiro, vai na direção oposta dessa opulência grudada no imaginário popular por conta dos bastidores das grandes produções hollywoodianas. Ele tem apenas dois personagens em cena, três se considerada a esposa que reclama do marido fora do quadro. Everaldo Pontes vive o dono de um cabaré xexelento que já teve seus tempos áureos. Mesmo decadente, o espaço não abre mão do glamour, haja vista a combinação de luzes vermelhas e azuis. A utilização da chamada queer neon acentua o diálogo entre masculino e feminino que entrecorta a conversa sensual com o transformista vivido por Tavinho Teixeira. O assunto principal desse encontro é a procura de emprego. O artista pede ao proprietário do lugar para seguir se apresentado. O mundo está mudando. As casas noturnas somente se interessam pelos shows movimentados de tecnobrega e se esquecem do passado.

Enquanto Everaldo fala, Tavinho vai se transformando NELA, não sem antes evocar verbalmente a beleza da metamorfose. A cineasta Renata Pinheiro prefere tornar essas circunstâncias consistentes/interessantes dramaticamente, mais do que construir mensagens a partir delas. São simplesmente duas pessoas dialogando sobre possibilidades futuras enquanto estão ancoradas no passado. Os goles de cerveja temperam os lamentos pela obsolescência das divas e a construção de uma noção meio nostálgica que os aproxima ainda mais intimamente. O dono do bar olha para homem gradativamente transmutado em mulher por conta da maquiagem – processo retratado sutilmente pela câmera que permanece interessada nas entrelinhas –, deixando claro o desejo pulsante. Everaldo enxerga o corpo em curso de modificação como se quisesse possuí-lo. Por fora, diz que já teve três esposas antes da “que já me deu muito trabalho”, segundo palavras próprias. Por dentro, fervilha o interesse denunciado por olhares e gestos simples, algo bem desenvolvido em cena.

Mansão do Amor não denuncia a hipocrisia heteronormativa, se restringindo a ser o retrato singelo de um instante em que corpos se querem como se houvesse entre eles um núcleo magnético. Tavinho carrega nos trejeitos e meneios, utilizando o pronome feminino para falar de si. Quando finalmente chega ao palco, não é uma figura que prima pela sensualidade, passando longe de ser alguém de apelo sexual inconfundível. No entanto, dubla uma música romântico-chorosa diante do possível empregador que o fita com admiração. Embora em certos instantes o curta pareça girar sem sair do lugar, sobretudo por não oferecer subsídios para que conflitos se imponham como obstáculos a serem vencidos, ele aposta numa noção mais profunda de impossibilidade. Sim, pois os dois personagens não conseguem deter o tempo, tampouco têm poder sobre os próprios desejos. Então, de alguma forma, são vítimas e reféns num processo de aceitação resignada que lhes resta. Renata Pinheiro mistura bem os elementos nesse filme curto que se impõe como um brevíssimo recorte em que cada movimento pretende carregar doses suficientes de informações. No geral, ela é bem-sucedida.

Como já tinha demonstrado em outros filmes, especialmente em Amor, Plástico e Barulho (2013), Renata Pinheiro prima pela beleza com efeito poético. O queer neon não está banhando as pessoas apenas pelo resultado plástico, pois há um (mencionado anteriormente) desejo de fundir masculino e feminino, talvez, para torna-los indissociáveis. A linda cena em que Tavinho utiliza um espelho para se maquiar é uma oportunidade para prescindir do pingue-pongue do campo/contracampo. No entanto, o resultado não é restrito ao aspecto prático, pois o que fica implícito na imagem é alguém revelando sua essência por meio de um reflexo e da admiração do interlocutor. Nada é debatido à exaustão, aliás, poucos traços do papo aparentemente frugal ganham alguma estatura proeminente. Correndo o risco de parecer vaga em boa parte dos 15 minutos do filme, a cineasta aposta na capacidade dos atores de traduzirem em não ditos, gestos, hesitações e olhares o que provavelmente pensam e querem. O resultado é impreciso, mas terno e bonito.

Filme visto no VI Cine Jardim: Festival Latino-Americano de Cinema de Belo Jardim, em agosto de 2021.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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