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Sinopse

Anos depois da Guerra dos Sessenta Minutos, a Terra encontra-se destruída. Para sobreviver, as cidades se movem em rodas gigantes, conhecidas como Cidades-Tração, e lutam umas com as outras para conseguir mais recursos naturais. Quando Londres se envolve em um ataque, Tom é lançado para fora dos limites urbanos junto com uma fora-da-lei e os dois decidem se unir e lutar para sobreviver. Além disso, precisam enfrentar uma ameaça que coloca a vida no planeta em risco.

Crítica

Peter Jackson é um homem movido por sonhos. Basta uma olhada rápida em sua filmografia para perceber isso. Afinal, foi essa determinação em ir atrás de projetos que mexiam com ele em um nível além do racional que tornou possível que sucessos como a saga O Senhor dos Anéis ou o gigantesco King Kong (2005) chegassem às telas. Vencedor de 3 Oscars – inclusive os de Filme e Direção – por O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei (2003), Jackson, no entanto, está longe de ser infalível. O drama Um Olhar do Paraíso (2009) ou mesmo a saga O Hobbit são alguns destes ‘tropeços’, digamos. E por mais que tenha acalentado por anos tornar realidade uma adaptação cinematográfica do livro de Philip Reeve, seu trabalho como produtor de Máquinas Mortais parece ter sido a maior pedra no sapato do diretor estreante Christian Rivers.

E por que isso? Afinal, foi o nome de Peter Jackson que permitiu um orçamento de US$ 100 milhões capaz de viabilizar um cenário de deslumbrar qualquer um graças a uma tecnologia de última geração. No entanto, foi também essa proximidade exagerada do cineasta neozelandês que o impediu de exercer o afastamento necessário para olhar o que estava sendo feito com menos paixão e mais razão. Rivers, parceiro antigo de Jackson e vencedor do Oscar de Melhores Efeitos Visuais pelo citado King Kong, executa à beira da perfeição o que sempre foi sua especialidade – Máquinas Mortais é um verdadeiro espetáculo digital. Infelizmente, não é nada além disso. Graças – e é aí que está a maior surpresa – ao roteiro piegas e redundante escrito por Jackson e suas duas parceiras habituais, a esposa Fran Walsh e a colega Philippa Boyens.

Em um resumo rápido, estamos muitos séculos no futuro, quando o mundo foi reduzido ao caos graças à ambição descontrolada do homem. Nesta realidade, as cidades são móveis, grandes engenharias que podem se locomover de um lado para outro. E isso se faz necessário pois se está sempre em busca de novos horizontes que permitam ir atrás de recursos para manter essas colônias em pleno funcionamento. Thaddeus Valentine (Hugo Weaving, tentando oferecer um pouco de dignidade ao elenco) é um visionário que quer garantir para Londres o fim destas buscas, idealizando uma arma que eliminará qualquer concorrência. Ele almeja se tornar uma superpotência, e para isso não hesitará em literalmente atropelar qualquer um que se coloque no seu caminho. Mas há pendências do seu passado a serem resolvidas, como a morte da mãe de Hester Shaw (Hera Hilmar, mais uma presença imagética de efeito do que um potencial dramático a ser desenvolvido) ou o envolvimento do arquivista Tom Natsworthy (Robert Sheehan, com todas as caras e bocas que lhe foram permitidas), um bem-intencionado e ingênuo rapaz que acaba sabendo mais do que lhe competia e, por isso, termina sofrendo as consequências.

A expressão ‘novela mexicana’ ganha um novo significado diante de Máquinas Mortais – talvez, a partir de agora, o mais apropriado fosse ‘novela britânica’ (nacionalidade do autor da história)! Se não, vejamos. Quando se encontram, Tom logo começa a narrar seu passado trágico, para que Hester lhe responda em seguida: “nós não vamos fazer isso, não vamos compartilhar nossas histórias tristes”. Bom, não se passa nem dez minutos para que ela esqueça o que recém disse e dê início a uma série quase infindável de flashbacks, detalhando nos mínimos detalhes todos os problemas que já enfrentou na vida. Junta-se a isso a quantidade impressionante de personagens descartáveis e irrelevantes – como a filha do vilão e o amigo dela, que dão a impressão de terem alguma importância até certo ponto, apenas para serem irremediavelmente dispensados na sequência. Outra figura desnecessária é o robô de olhos verdes que declara aos sete ventos ter como único objetivo assassinar a protagonista. Bom, ele segue até alcançá-la para, quando está prestes a cumprir o prometido, declarar (com essas mesmas palavras): “ah, mas você o ama? Então tá tudo bem, eu lhe perdoo”! O amor pode tudo? Pois sim, com direito até a uma seleção de ‘melhores momentos’ da vida dos dois – robô e mocinha – juntos! Como se vê, a indigestão é apenas para estômagos fortes.

Enquanto Christian Rivers se ocupava em tornar esse universo minimamente crível, Jackson e suas colegas soltaram as rédeas e permitiram que o enredo atingisse níveis absurdos de sacarina. O melodrama atordoante chega ao disparate de se inspirar – ou seria apenas ‘copiar’? – as grandes aventuras de Steven Spielberg e George Lucas, como um herói relutante que vivia dentro de um museu (ecos de Indiana Jones?) e que lá pelas tantas se vê escolhendo a melhor jaqueta para se tornar um novo Han Solo, ou os dois antagonistas, um de frente ao outro, no clímax da trama, declarando uma versão muito particular de “Eu sou o seu pai, Luke”! E entre coincidências cada vez mais sem sentido – como os mercenários que os vendem a um leilão de escravos sabiam do paradeiro deles? Como a rebelde Anna Fang os encontrou com tanta facilidade? – e uma Muralha da China (Matt Damon sentiria orgulho) que parece não servir para nada, o que resta é um gosto amargo que indica que, em algum momento, talvez existisse de fato, no meio de todo esse imbróglio, algo curioso que merecesse maior atenção. No entanto, ao ser soterrado sob excessos, clichês e elementos irrelevantes, a única certeza é que, com mais tempo e propriedade, Máquinas Mortais poderia ter sido bem diferente. Bastava inventar menos e focar mais no essencial, deixando de lado adereços que até podem ser bonitos no papel, mas na prática mais atrapalham do que qualquer outra coisa.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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