Crítica

Dirigido, roteirizado, editado e produzido por Alejandro Amenábar, que ainda compôs a trilha sonora, Mar Adentro é uma das produções mais premiadas da história recente do cinema espanhol. O ápice de sua trajetória se deu ao ganhar o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, além de ter concorrido como Melhor Maquiagem. Mas consagração efetiva aconteceu durante a premiação do Goya (o Oscar espanhol), quando ganhou quatorze das quinze estatuetas que disputava (um recorde). Além disso, foi premiado também no National Board of Review, Globo de Ouro, European Film Awards, Festival de Veneza, Críticos de San Diego, Festival de Bangkok, Críticos da Espanha e Independent Spirit Awards, entre tantos outros. Mas quando o alarde é demasiado, é normal desconfiar. E, neste caso, tanta louvação se justifica? Surpreendentemente, sim.

Amenábar, realizador do igualmente impressionante Os Outros (2001), fez de Mar Adentro seu filme mais simples e, por isso mesmo, mais impressionante. O enredo é inspirado na história real de Ramón Sampedro (num desempenho hipnotizante de Javier Bardem), um homem que, aos 20 e poucos anos, ficou paralítico após um mergulho mal dado no oceano. Ele mergulhou numa parte muito rasa e quebrou a espinha (algo similar ao que aconteceu com o escritor brasileiro Marcelo Rubens Paiva, como visto no autobiográfico Feliz Ano Velho, 1987, porém com conseqüências ainda mais trágicas). Sua consciência funciona plenamente, mas todo o movimento se restringe do pescoço para cima. Uma prisão dentro do próprio corpo.

Durante os trinta anos seguintes após o acidente Sampedro lutou pelo direto à morte. Não queria seguir vivendo daquele jeito, em estado vegetativo em cima de uma cama, dependendo de todos a sua volta para qualquer necessidade. E, por isso, solicitou na justiça a permissão para que alguém pudesse acabar com sua vida, uma vez que ele próprio não poderia fazer isso. País extremamente católico, na Espanha o suicídio – e todas as suas formas, como a eutanásia – não é permitido, e qualquer um que ousasse atender o pedido de Sampedro seria encarado como assassino. Por isso a batalha legal, que se estendeu por mais de uma década.

O grande mérito do diretor é criar condições suficientemente propícias para a atuação magistral de Bardem, um ator acima de qualquer estereótipo. E além disso, é hábil o suficiente para contar esta história sem se intrometer diante da performance do protagonista, liberando espaço suficiente para qualquer arroubo deste. Bardem, tendo somente o rosto como artifício, entrega uma interpretação verdadeiramente arrebatadora, intensa na medida certa e nunca além do ponto exato de comover com sabedoria e integridade.

Com uma premissa que lembra em parte o igualmente oscarizado Menina de Ouro (2004), Mar Adentro é, por incrível que possa parecer, mais um libelo à vida do que uma ode à morte. Com uma mensagem que mescla intenções de liberdade e tolerância, instiga o espectador a discutir conceitos como respeito, igualdade e esperança. É um trabalho honesto e perturbador, que mereceu a atenção recebida à época de seu lançamento e que ainda hoje, anos depois, segue pertinente em seu discurso. Acima de tudo, é um filme que cala fundo naquele que souber analisar sua mensagem com dedicação e seriedade. Uma história não só para ser assistida, mas também para ser aprendida.

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