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Sinopse

Um encontro com a escritora e cineasta francesa Marceline Loridan-Ivens (1928-2018), companheira do holandês Joris Ivens (1898-1989), com quem dividiu a vida e o trabalho no cinema. Além da parceria, Marceline fala sobre como sobreviveu ao campo de concentração nazista de Auschwitz, para onde foi mandada com o pai. Um olhar sobre os bastidores de trabalhos do casal, como Paralelo 17 (1968) e a série Como Yukong Moveu as Montanhas (1976).

Crítica

Pode a vida de uma mulher representar a jornada da humanidade durante todo um século? A diretora e roteirista Cordelia Dvorak parece pensar que sim. E, no caso dela, a resposta estaria na jornada de Marceline Loridan-Ivens. O nome pode não provocar reconhecimento imediato, ainda mais em tempos como os de hoje, tão ligados ao instantâneo e de memória notoriamente reduzida. Mas o espaço aqui é voltado a desenvolver um retrato da cineasta e atriz francesa que ainda na adolescência sobreviveu a um evento dramático e acabou, de uma forma ou de outra, percorrendo passagens e momentos importantes das últimas décadas. E é justamente o que se encontra em Marceline. Uma Mulher. Um Século, um curioso, e até mesmo interessante, painel da humanidade recente, além de se dedicar também a exercer um olhar mais íntimo – porém não muito profundo – sobre uma figura, no mínimo, singular. Bonito. Até mesmo pertinente em certas passagens. Mas não muito mais do que isso.

Após se debruçar sobre a vida do escritor e pintor inglês John Berger no seu trabalho anterior (John Berger or The Art of Looking, 2016) – que veio a falecer logo após a estreia do filme sobre ele – Dvorak mais uma vez dirige sua atenção a uma personagem em seus últimos momentos. Com Marceline Loridan-Ivens a situação foi ainda mais urgente, pois a artista deu seu suspiro final exatamente um mês antes de Marceline. Uma Mulher. Um Século ter sua primeira exibição na tela grande. Se não chegou a ver o longa a seu respeito finalizado – essa é uma questão que apenas a diretora poderá responder – ao menos fica impresso na tela a satisfação demonstrada pela atenção recebida durante as filmagens. E esse já parece ser o maior dos ganhos ao público – e um presente e tanto para a homenageada.

Apontada como musa de ninguém menos do que Jean Rouch – por ter participado das filmagens do clássico Crônica de um Verão (1961), cenas essas que são exibidas aqui – Marceline merecia ser observada com respeito desde antes. Aos 16 anos, escapou ilesa, graças ao fim da guerra, de um campo de concentração nazista. Ainda que fizesse questão de carregar a marca de sobrevivente pelo resto de sua vida, nunca permitiu ser tratada como vítima. Esteve à frente de cada uma das atividades que empreendeu. Atriz, diretora, roteirista e escritora, foi também mulher, esposa e companheira. E, mesmo tendo passado a maior parte da sua existência ao lado de um homem trinta anos mais velho do que ela – o cineasta Joris Ivens – manteve uma postura de igual, estando ao seu lado, nunca adiante, muito menos atrás. Pela sua fala, percebe-se uma vontade inequívoca de somar, nunca dividir, quanto mais subtrair.

Através das lentes de Cordelia Dvorak, acompanha-se essa mulher em casa, prestes a completar 90 anos de idade, recebendo amigos, lidando com suas lembranças, revivendo histórias. Ao mesmo tempo, o espectador é convidado a rever momentos de destaque dessa trajetória. Do citado Crônica de um Verão, no qual se é possível observá-la bastante jovial, interagindo com transeuntes das mais diversas idades e origens, em uma França em plena reconstrução, passa-se pelo fundamental Le 17e Parallèle: Le Guerre du Peuple (1968), documentário que dirigiu ao lado do marido no Vietnã, resgatando uma realidade que o mundo ocidental da época – um sentimento que, de uma forma ou de outra, persiste até hoje – insistia em fechar os olhos. Mas vai-se além, chegando até o testemunhal La Petite Praire aux Bouleaux (2003), seu último trabalho como realizadora, que ganha suporte através das belas palavras de August Diehl, um dos protagonistas da trama.

Dvorak tem muito em mãos. No entanto, dá a entender não estar preocupada com isso. Afinal, o que lhe interessa não é o que foi feito. Isso existe, não pode ser negado, e possui determinante influência. Mas o que lhe importa, ao menos no instante aqui registrado, é aquela que sobreviveu a tudo isso. Do pior ao melhor, do fim próximo à exaltação da própria arte, da política ao privado. Marceline Loridan-Ivens permite essa aproximação em Marceline. Uma Mulher. Um Século. E ainda que esteja longe de dar por completa a análise de uma personalidade tão complexa, o vislumbre está feito. Exemplo, testemunho ou mesmo nostalgia, o resultado segue vivo, mesmo após sua partida. E, por isso, mais do que qualquer coisa, justifica sua validade.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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