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Sinopse

Em Maré Alta, Lourenço, um imigrante brasileiro cujo visto está chegando ao fim, se encontra com o coração partido e à deriva quando seu namorado estadunidense inesperadamente o abandona em Provincetown. Envolvido pela beleza e magia da comunidade à beira-mar, ele fica muito angustiado com relação ao futuro, mas consegue se animar ao conhecer o gentil enfermeiro Maurice. Romance.

Crítica

Lourenço corre em direção ao mar. A praia, para qualquer lado que se olhe, parece deserta. E, de fato, está. Mas isso é coisa de pouco tempo. Tanto a solidão do lugar, como o desapego do protagonista. Pois a temporada de verão chegou ao fim faz poucas semanas, e permaneceram por lá apenas os moradores locais, em sua maioria aposentados, ou os que vivem do turismo sazonal. O rapaz, no entanto, não se encaixa em nenhuma dessas definições. Aliás, ele está passando justamente por um daqueles momentos na vida de uma pessoa no qual nada mais faz sentido. Tudo soa deslocado, em tempo e espaço. E nessa luta por encontrar o seu lugar no mundo, até o menor dos detalhes pode acabar fazendo diferença. Como saber onde – e com quem – dar aquele mergulho capaz de abrir caminhos. Em Maré Alta, o grande embate se dá de modo interno neste personagem de muitas expectativas e maiores ainda desilusões. Acompanhá-lo nessa jornada de volta a si tem seus instantes de surpresas e descobertas, mas também há um preço a ser pago por cada um destes sentimentos – alguns, aliás, caros demais diante do prometido.

Marco Pigossi tinha tudo para ser mais um galã de novela no horário nobre da Rede Globo. Cansado de repetir falas que não lhe faziam sentido e de se esconder por trás de sorrisos que apenas emulavam a falsidade de uma persona pública cada vez mais distante do seu verdadeiro eu, jogou tudo aos céus e decidiu apostar em si – um movimento que, quando feito com comprometimento, nunca dá errado. Saiu do Brasil e se viu estrelando séries na Austrália (Tidelands, 2018), na Espanha (Alto Mar, 2020) e até nos Estados Unidos (Gen V, 2023). Faltava, no entanto, o passo mais ousado: o cinema. Onde ele agora chega, por meio de um desafio do qual se mostra à altura da aposta. E é de se supor que na melhor companhia possível: é o marido do ator, o cineasta italiano Marco Calvani, o responsável pelo roteiro e direção de Maré Alta. Além destas entregas, tanto de um, quanto do outro, poderem ser vistas como uma declaração mútua de amor, é também reflexo de suas próprias condições: a figura do expatriado, daquele em busca de um conforto que muitas vezes se mostra mais ao alcance dos outros do que dele próprio, e que pode tanto ser compartilhada pelo personagem da ficção, como por aqueles cujos talentos unidos resultaram nesse esforço.

Quando Lourenço se joga na água, deixando para trás suas roupas e qualquer outro pertence, ele também está abrindo mão das mágoas e das frustrações que o levaram até ali. Nos EUA com um visto de turista, tem data para voltar – caso contrário, se tornaria ilegal no país. Não é o que ninguém desejaria para si, por mais que muitos se sujeitem a tal condição. Porém, importante essa distinção: ele até lá foi não atrás de melhores oportunidades profissionais ou para fugir de uma situação de pobreza social – Lourenço partiu para uma outra realidade para, tal qual seu intérprete, poder ser quem ele, de fato, é. Foi atrás de um amor que, no Brasil, lhe seria impossível. A mãe evangélica lhe questiona onde está o postal com a imagem de Jesus Cristo a cada ligação de vídeo entre os dois, ao mesmo tempo em que demonstra desconhecimento sobre as motivações, os amores e os sonhos do filho. Quem ele é, permanece um mistério. Para os outros, sim. Mas também para ele mesmo.

Em casos como esse, no qual todas as portas dão a impressão de estarem se fechando, a rede de apoio que eventualmente acaba por se formar ao redor do indivíduo representa o suporte emocional capaz de impedir que o pior se manifeste. Scott (Bill Irwin, de Alerta de Spoiler, 2022) lhe aluga a casa de hóspedes no fundo do seu terreno e representa o calor familiar que lhe está tão distante. Miriam (Marisa Tomei, pouco aproveitada) é a artista independente que contrata seus serviços não como um ser subalterno, mas creditando nele o respeito profissional que o rapaz ainda espera alcançar. E Maurice (James Bland, visto em um episódio da quinta temporada de Insecure, 2021) é a possibilidade de um novo amor, não suficiente para substituir aquele que se foi, mas forte o bastante para mostrar que o jogo ainda não acabou. É importante perceber que Lourenço não usa nenhum destes como uma escada capaz de levá-lo a um lugar melhor. O que lhe oferecem, cada um ao seu modo, é o exemplo de que seguir em frente não é uma opção, e, sim, uma necessidade.

Deixando de lado maiores arroubos narrativos, Calvani – que também é ator, e em breve estará ao lado de Tina Fey e Colman Domingo na minissérie As Quatro Estações (2025) – estreia como realizador em longa-metragem demonstrando bastante empatia e sensibilidade com o drama do estrangeiro, sem deixar de lado um discurso inclusivo e investido na diversidade. Ainda que, para tanto, não precise levantar bandeiras ostensivas ou proferir discursos condenatórios. Em Maré Alta, tudo é feito com parcimônia, fazendo uso mais da ação do que das palavras para que suas intenções sejam, enfim, compreendidas. O vai e vem das ondas pode ser também aquele das paixões, das ambições pessoais e dos entendimentos que, se por segundos podem dar a entender estarem perdidos, logo em seguida uma nova conexão se formará permitindo que um novo mundo seja vislumbrado. As respostas, como se bem sabe, nunca são fáceis. Mas, se assim fossem, que graça teriam?

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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