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Sinopse

Valdo, um fotógrafo ideologicamente de esquerda, em meio à turbulência sócio-política do Brasil, precisa se livrar do alcoolismo a fim de não perder a guarda da filha o seus demais laços afetivos.    

Crítica

Existe uma clara vontade de, para além de adensar o contexto no qual Marés se passa, entrelaçar o momento sócio-político turbulento do Brasil de 2016 e os problemas do protagonista. Valdo (Lourinelson Vladmir) mora em Brasília, é fotógrafo de certo renome, casado com uma argentina, por ele conhecida nos bastidores de uma peça de teatro, e alcoólatra. Antes que qualquer imagem do filme apareça, ainda nos créditos iniciais, o cineasta João Paulo Procópio lança mão das vozes em off de congressistas bradando contra o impeachment da então presidenta Dilma Rousseff. A isso, segue a imagem do sujeito em protestos, lutando contra o Golpe, ou seja, se posicionando efetivamente na conjuntura da polarização que há anos vem fragmentando o Brasil. No entanto, aquilo que, de largada, parece ser um dos esteios do longa-metragem, ao longo dele se mostra um elemento, assim como outros, tratado com doses de displicência e ingenuidade pelo roteiro disperso.

O título Marés poder ser entendido como uma referência às oscilações de Valdo, especialmente quando deflagrado o problema com a bebida, e as variações sociais de um país à mercê dos movimentos que alteram os seus rumos. Porém, novamente, essa noção que poderia servir de argamassa a fim de juntar marco e micro, não passa de uma nota de rodapé observável em vários instantes, mas sem força suficiente para sobrepujar o seu caráter meramente ilustrativo. Assim, a questão de ordem política vai gradativamente perdendo o pouco espaço garantido no princípio, arrefecendo ao ponto de ser utilizada apenas como comentário colateral sem tanta importância. Isso fica claro, por exemplo, numa cena do embriagado causando tumulto na frente da casa de alguém que se recusa a atendê-lo. No extracampo, um vizinho se refere a ele gratuitamente, sem que haja indício prévio das convicções do intruso, de “petralha”, designação pejorativa associada à esquerda.

Mesmo que excetuada essa relação bamba entre a esfera pessoal e a político-ideológica, Marés se ressente da falta de consistência na construção dos personagens, a começar por Valdo. Há contradições e complexidades possíveis a partir do conjunto apresentado pelo filme, mas poucas observadas com a devida profundidade. A consciência de classe, sequer, é colocada em jogo. Tendo em vista a vontade constante de atrelar o sujeito a uma luta em que frequentemente se antagonizam proletários e abastados, esse dado se impõe como debilidade considerável. O relacionamento dele com Clara (Julieta Zarza) é esquemático. De determinado ponto em diante, a personagem feminina é reduzida ao papel da mãe que zela pela integridade infantil posta em risco em virtude do comportamento instável do ex-marido. Em vários instantes o todo se aproxima de ser um panfleto simplista, pois composto basicamente de ações e reações que expõem os efeitos nefastos do alcoolismo.

As sequências de sexo, estranhamente, conectam tortuosamente público e privado. O plano de Valdo e Clara transando sob os olhares da vizinha – circunstância que não reverbera, sendo gratuita – destoa dos demais flagrantes de luxúria. Marés joga contra as próprias intenções de refletir sobre o país, na periferia da batalha do protagonista, justamente por fazer certas colocações que soam como moralismo disfarçado. O coito ruidoso na piscina, especificamente o modo como ele é utilizado, é um sinal dessa desconjuntura. Precedidos de toda sorte de amostras da impertinência pública das bebedeiras do fotógrafo, como as inúmeras perturbações da ordem pública, os gemidos de prazer que incomodam a família tradicional à mesa na residência ao lado não afrontam o ímpeto recatado, pelo contrário, pois acabam validando os “bons costumes” involuntariamente. Longe de compreender o alcoolismo como uma doença, ou seja, em toda a sua obscuridade, o filme se restringe a ser uma peça cambaleante, repleta de elipses que a tornam truncada de forma geralmente contraproducente.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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