Crítica
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Sinopse
Maria Callas conta a história da maior cantora de ópera do mundo, vivida em cena por Angelina Jolie. Após uma trajetória de muitos sucessos e feitos impressionantes, ela agora está em seus últimos dias na Paris, França, dos anos 1970.
Crítica
“I’m in the mood for adulation”
Logo nos primeiros instantes de Maria Callas, o diretor Pablo Larraín opta por um close no rosto de Angelina Jolie, em preto e branco, aqui como uma das maiores cantoras líricas de todos os tempos, se debulhando enquanto interpreta uma das árias mais famosas do seu repertório. Ninguém, em sã consciência, tentaria reproduzir a voz de La Callas. Jolie, portanto, está dublando. E isso fica evidente desde que sua presença se manifesta em cena. Sem a energia, a vivacidade, a entrega que se poderia esperar. Alguns dirão que a escolha faz sentido, pois o foco está nos últimos dias de uma vida de (muitos) altos e (mais ainda) baixos. Porém, o que fica com o espectador é a sensação de artificialidade. Jolie não é Callas. Esta é a verdade. Se por um lado tal constatação é positiva – afinal, ela oferece sua versão, sem a necessidade de uma mera reprodução – por outro naufraga as intenções de emular a altivez e o profundo desespero de alguém que opta pela morte, em detrimento de seguir lutando. Este sentimento de falsidade irá permear as próximas duas horas de filme.
A primeira precisava encontrar vida após a morte. A segunda, começa a submergir nas sombras por não ter forças para seguir por conta própria. A terceira abre mão da batalha, e durante um prazo de sete dias vai abandonando-se de si em direção ao inevitável. Capítulo final de uma trilogia sobre grandes mulheres, Maria Callas talvez seja o mais irregular destas três abordagens, por alternar passagens constrangedoras (como a de abertura, descrita acima, ou outras tantas, como se verá a seguir) com instantes de puro brilho, muito na conta de sua protagonista. Se a trama abre já com a ciência de sua morte, a decisão de voltar uma semana no tempo deveria se mostrar uma busca por entendimento que levasse até o trágico desfecho anunciado. Por mais que alguns recursos sejam interessantes para esse processo – o uso de uma entrevista que pode ou não ser fruto de sua imaginação é um destes acertos – estes dão a impressão de nunca terem seus potenciais explorados na totalidade. É um meio percurso, que promete uma caminhada curiosa, mas que falha em chegar ao fim.
Angelina Jolie é uma atriz de imenso talento, mas que parece ter sucumbido ao próprio estrelato. Já muito se passou desde Gia: Fama e Destruição (1998) ou O Preço da Coragem (2007), longas nos quais permitiu que viesse à tona a personagem, e não a persona que o público se acostumou a reconhecer com facilidade. Após três anos afastada das telas – seu último trabalho havia sido o malfadado Eternos (2021), para a Marvel, no qual aparece como não mais do que uma coadjuvante – a também diretora se revela interessada em investir em sua atuação, ao mesmo tempo em que o personagem se confirma grande demais para um exercício de desaparecimento. As duas se confundem, e isso não é um bom sinal: em mais de um momento, não se sabe estar diante da música, ou da ficção. Como se ficou notório, ambas sofre(ra)m pelo marido que as traiu, pelo escrutínio público e pelo excesso de atenções. A diferença é que uma desistiu, enquanto a outra busca a fênix, por mais que não consiga deixar para trás o que passou.
Callas foi adorada por todos, mas por muitos também foi motivo de irritação e tristeza. “Eu venho a restaurantes para ser adorada”, declara ao garçom insistente. Porém, quem dela se aproxima é para relatar um choro não motivado por uma de suas performances, mas por causa dos ingressos adquiridos para uma apresentação posteriormente cancelada devido ao destempero da artista. Algumas dessas causas chegam a ser especuladas – a mãe que não lhe dava amor, a infância pobre, o pai ausente, o marido infiel, a necessidade constante de elogios – mas nunca se mostram suficientes para tamanho desespero. A voz lhe abandonou, assim como pensa terem feito todos os outros. Se era o único que tinha a oferecer ao mundo, e agora não mais a tem, o que lhe resta fazer? Ao sair de um ensaio malsucedido, é confrontada por um repórter que presenciou escondido a sua tentativa frustrada. Ao ser exposta a uma verdade que tanto se esforçava para desviar, nem chega a responder: um turbilhão de emoções transpassa seu olhar, oferecendo mais neste rápido instante do que todo o discurso exposto até então. Ao invés de seguir por este caminho, no entanto, Larraín opta por levá-la a um último encontro com o grande amor de sua vida, o milionário Onassis, resultando em uma sequência assustadoramente barroca pela grandiosidade que almeja em meio a um desespero nunca factível. As falsas lágrimas que escorrem por sua face são sempre da atriz, nunca do mito.
Os excessos estão por todos os lados, e se revela uma tarefa árdua não se distrair em meio a um conjunto dotado de tantas distrações. É como se o diretor não tivesse confiança na figura, e fizesse questão de cercá-la de adornos que mais atrapalham do que colaboram. O repórter faz as perguntas que ela quer responder, e a autobiografia está em seus olhos, mas não chega à tela. O certo, no entanto, e esse é o maior dos problemas de Maria Callas, é que este filme já foi feito antes – e melhor. Callas Forever (2002) não só foi realizado por alguém que de fato entende de ópera – Franco Zeffirelli foi um mestre também nos palcos – como do brejeiro que essa expressão tão desgarradamente abraça. Sem contar que enquanto Jolie seguirá sendo Jolie, Fanny Ardant se mostrou disposta a um mergulho desprovido de afetações, ainda que não distante da imagem pública a ser representada. Sem se reduzir à cópia de Jackie (2016), mas também desprovido da abordagem original de Spencer (2021), Pablo Larraín encerra sua visita às ‘damas de salto alto’ em meio a um percurso óbvio, permitindo que o brilho se apague, tal qual suas musas.
Filme visto durante a 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2024
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