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Crítica


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Sinopse

Cansada da vida solitária que leva, Maria sonha em encontrar um verdadeiro amor. Prometida pelo pai para ser entregue virgem a São Djalminha, um santo de quem ninguém nunca ouviu falar, só mesmo um milagre poderia ajudar. A única certeza que Maria tem é que, custe o que custar, precisa desencalhar e sair de uma vez desse fim do mundo onde mora.

Crítica

Baseado na peça homônima, também protagonizada por Lília Cabral, Maria do Caritó guarda bem nítida a sua relação com os palcos, principalmente no que diz respeito ao texto, ao seu tempo, às suas pausas e métricas específicas, numa evidente tentativa de lirismo. O diretor João Paulo Jabur mantém essa ponte menos como forma de criar um diálogo fecundo entre formas distintas para expressar uma mesma história, mais como cacoete a fim de não se desvirtuar de algo antes exitoso. A protagonista é Maria (Lília), cuja virgindade foi prometida desde cedo pelo pai a um santo que ninguém conhece. A “virtude” lhe torna candidata a santificação, com direito à venda da solução gerada a partir de seu suor, a beberagem supostamente benta. Há em curso o processo de beatificação dela no Vaticano. A ambientação é interiorana, num espaço próprio a uma vida demarcada pela inocência. Todavia, aquilo poderia exalar o perfume da nostalgia, especialmente pelo elo com Amácio Mazzaropi e afins, acaba sendo na telona um produto anacrônico e frágil enquanto cinema.

Há um exagero de cenas obviamente capturadas como drones, artifício que se tornou a obsessão de alguns realizadores. As músicas, com raras exceções, apenas sobem e descem mecanicamente nas transições das sequências. A decupagem e a encenação remontam a uma estética televisiva de outrora, atualmente ultrapassada por uma equivalente mais híbrida. Maria do Caritó não dá conta de sustentar a credulidade como um atributo intrínseco ao povo distanciado do ceticismo. Apesar dos esforços louváveis de Lília, Maria é uma personagem que simplesmente não funciona ao oscilar entre atender aos anseios paternos e finalmente encontrar o amor de sua vida. Ela não quer ser beatificada, prefere a isso um beijo ardente de alguém que metaforicamente lhe revolva as entranhas. Tal discrepância é mal articulada nesse longa-metragem com cheiro de coisa guardada. A ótima Fininha (Kelzy Ecard) é subaproveitada, restrita a ser a mera escudeira fiel.

Maria vê o circo chegar à cidade e com ele a esperança do “desencalhe”. João Paulo Jabur não investe no óbvio antagonismo entre o terreno libertário da arte e a propensão ao tradicional (coronelista) de instituições como o legislativo e a igreja local. Mesmo assim, Maria cai de amores (ou seria desespero responsável por cegar?) por um russo mais falso do que nota de três reais, integrante do show itinerante. Anatoli (Gustavo Vaz) se limita a fazer um sotaque sem vergonha, geralmente apenas acrescentando o sufixo “dovski” depois de cada palavra, num recurso que esgota sua comicidade rapidamente. Falta graciosidade ao filme, fruto, sobretudo, da incapacidade do realizador para compreender esse Brasil profundo e, com isso, articular uma visão romântica a respeito do mesmo. A bandeira que a protagonista carrega na cena final é atirada no clímax como maneira de encerrar com a mensagem de positividade e valorização da individualidade que não é fomentada no decurso.

Maria do Caritó tem transições mal enjambradas. Avolumadas, criam uma sensação de falta de consistência. Muita coisa acontece, mas pouca com impacto, seja de que ordem for. Lá pelas tantas, como se não fosse o bastante aprisionar os potenciais em diversas camisas-de-força limitadoras, surge a reviravolta absolutamente gratuita e disposta no conjunto com um desajeito gritante. Uma vez revelada a verdade, a resposta daquele que perpetrou uma lorota durante décadas é não menos trôpega e burocrática, não deixando espaços para desenvolvimentos ou mesmo marcas condizentes com o seu conteúdo. Se passado pelo prisma de produções a ele anteriores, principalmente as focadas numa vida distante dos grandes centros, o longa não chega perto de homenagear um estilo de vida ultrapassado pela celeridade da contemporaneidade. Agora, se partirmos da forma como o todo se comunica com as demandas atuais, o filme soa como uma nota dissonante e gasta.

 

(Filme assistido durante a 29ª edição do Cine Ceará)

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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