Crítica
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Sinopse
Crítica
Há um único momento em que a câmera do diretor Carlos Jardim se comporta de modo criativo em Maria: Ninguém Sabe Quem Sou Eu: quando observa a cantora Maria Bethânia ao longe, hesitando chegar próxima da artista enquanto transita respeitosamente pelo labirinto da coxia. A imagem resultante dessa operação tem contornos de reverência, de saber da importância da baiana com quase 60 anos de carreira que dignifica como poucas a palavra intérprete – vide a força com que entoa canções presentes no imaginário brasileiro. Esse pequeno gesto diretivo serve para criar uma expectativa rapidamente frustrada. Assim, logo se esvai a ilusão de que o documentário ao menos tentará escapar às armadilhas traiçoeiras do enfoque meramente jornalístico. Dali em diante, o realizador engessa a câmera como se ela fosse um dispositivo funcional, de mero registro, uma simples bugiganga tecnológica sem capacidade de substituir poeticamente nosso olho em busca de verdades e mentiras a 24 quadros por segundo. Depois de ensaiar a autonomia da câmera, a importância dela para a (re)construção cinematográfica de uma história singular, recheada de belezas e personagens notórios, Carlos se curva à ilustração e acaba se escondendo atrás da facilidade com sinais de homenagem. Sim, pois ao longo do filme essa câmera se torna um instrumento frio, sem ao menos um forte senso de recorte pessoal.
Carlos Jardim toma uma decisão fundamental em Maria: Ninguém Sabe Quem Sou Eu: apenas Bethânia fala de Bethânia, ninguém mais. E esse processo de investigar a história monopolizada pela protagonista poderia ser fascinante, não fosse o realizador unicamente um ilustrador daquilo que a personagem diz com sua voz notável e inconfundível. Ele não pretende contradizer a homenageada, tampouco se esforçar para criar um sentido amplo entre os depoimentos dela e o extenso material de arquivo ao qual recebeu acesso. E se esse texto está, por enquanto, se agarrando à análise do olhar diretivo é porque realmente ele parece o grande responsável pelas sucessivas sabotagens que quase tornam enfadonhos os testemunhos de uma das nossas maiores entidades da música popular brasileira. E, voltando à câmera, ela deixa o ímpeto autônomo da primeira cena e se pulveriza em vários pontos de vista ordinários diante da protagonista. Contrariando aqueles colegas que dizem haver poucos lugares realmente corretos a partir dos quais observar uma cena em busca de extrair dela a sua “verdade”, Carlos decide optar por um caminho mais simples: coloca Maria Bethânia sentada, encarada por diversas câmeras, cujas perspectivas (sem tantas variações de distância e lentes, por exemplo) são alternadas na montagem. Esse dinamismo acaba sendo falso e não dinamizando muitas coisas.
O filme insiste em ser um documento jornalístico sem muita personalidade própria, de certa forma assim traindo a mítica de Bethânia. Maria: Ninguém Sabe Quem Sou Eu é uma extensa reportagem sobre uma grande figura. Maria Bethânia fala sobre amores, discorre acerca das rédeas curtas autoimpostas, relembra momentos maiúsculos de sua trajetória, mareja ao falar das saudades da mãe, se curva em reverência ao irmão Caetano Veloso, diz que é absolutamente rigorosa com seus colaboradores, etc. E Carlos Jardim encara todos esses momentos com tons bastante semelhantes, não variando notas, acordes e melodias ao captar e transmitir isso ao espectador. Aliás, dentro da repetição improdutiva permitida pelo roteiro está também a reprodução de um itinerário que acentua a sensação de desperdício. Maria Bethânia fala sobre algo, o filme sucede esse depoimento com as imagens de um show ou mesmo de um ensaio e a palavra retorna para a artista baiana. Assim sucessivamente, sem renovações significativas de rota até o encerramento da experiência que poderia ser mais imersiva do que ilustrativa. Outro ponto subaproveitado pela abordagem é a utilização da palavra, mais precisamente da poesia, nos shows da cantora. Bethânia explica de onde isso veio, a quem deve essa inspiração, o cineasta reitera isso com diversos exemplos, mas há uma perda sensível desse lirismo contido.
O principal problema de Maria: Ninguém Sabe Quem Sou Eu é a sua natureza essencialmente informativa. Claro que são lindos os depoimentos íntimos de Maria Bethânia, mas o cineasta poderia ter valorizado cinematograficamente melhor essa riqueza que lhe é gentilmente ofertada por uma entidade refletindo sobre o tempo com a mesma profundidade com a qual fala de política e saudade. Em grande medida, parece que o realizador se deslumbrou tanto com a sua protagonista, ao ponto de entregar a ela o controle sobre a narrativa, sequer fazendo da sua câmera (ela de novo) um instrumento de construção e investigação criativa. A fragmentação, a falta de personalidade, a obsessão pela elucidação (vide até as imagens ganhando crédito no pé do quadro) fazem dessa produção um daqueles documentários jornalísticos clássicos. Nesse tipo de filme, todo o aparato está a serviço da informação, mais especificamente da clareza dessas informações enfileiradas. Tanto que muitos espectadores erroneamente atribuem ao documentário o fardo de levar a verdade ao cinema, como se fosse possível reter algo tão efêmero e relativo em qualquer suporte que seja. É como se Carlos Jardim dissesse aqui à Bethânia: “toma que esse filme é teu, essa é minha forma de te homenagear”, se escondendo atrás desse altruísmo que contradiz a tendência dos cineastas ao controle. A oportunidade de ouvir e ver Bethânia não sustenta o longa-metragem como produto cinematográfico, apenas confere a ele certas belezas.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 4 |
Alysson Oliveira | 6 |
Ailton Monteiro | 8 |
Alex Gonçalves | 4 |
Arthur Gadelha | 4 |
MÉDIA | 5.2 |
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