Crítica
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Crítica
A premissa de Marjorie Prime comporta uma série de possibilidades. Senão vejamos. Num futuro próximo, as pessoas podem compensar a ausência dos entes queridos com holografias capazes de aprender frequentemente e evoluir ao ponto de tornarem-se um backup das memórias dos que se foram. Vemos Marjorie (Lois Smith) interagindo com a projeção de seu falecido marido, Walter (Jon Hamm), sendo auxiliada pela inteligência artificial a recuperar as lembranças que a doença lhe tira diariamente. São conversas íntimas, nas quais eles evocam passagens como o momento da adoção do bichinho de estimação que marcou ambos, o nascimento dos filhos e até mesmo as tragédias. Os “primes”, como são chamados esses placebos tecnológicos para a saudade e a solidão, precisam ser alimentados com as histórias do passado, a fim de convertê-las em dados memoriais que auxiliam o seu melhoramento gradativo ao ponto de parecer gente.
O traço de ficção científica de Marjorie Prime é trabalhado mais conceitual que visualmente. No plano da imagem, o cineasta Michael Almereyda se limita a expor o caráter intangível das projeções humanas, sem expandir o olhar ao contexto que permite tal avanço. O desenvolvimento é mais condicionado pelo drama familiar que necessariamente pelo dispositivo. A convivência dos consanguíneos visa instaurar um clima de instabilidade, especialmente quando nos damos conta de que, assim como a própria memória nos trai constantemente, basta uma pequena contravenção, ou seja, uma informação errada e/ou manipulada convenientemente, para mentiras se transformarem em verdades. Todavia, o realizador não se detém nessa potencial complexidade, preferindo dar mais atenção às dinâmicas fraturadas entre os parentes e pares, com a mãe no centro desse desmoronamento.
Tess (Geena Davis), filha de Marjorie, é uma mulher aparentemente tensa em boa parte do tempo, comportamento atribuído à carência de mãe. Já seu marido, Jon (Tim Robbins), funciona como uma espécie de mediador, tratando de acalmar os ânimos e ponderando o melhor para todos. Marjorie Prime, uma vez definida a centralidade do processo tecnológico para aplacar a dor de quem permanece, se dispõe a absorver novos personagens, situações ora inusitadas, ora banais, contudo não logrando êxito nessa tentativa de ampliação. O filme se torna confuso por conta da difícil localização temporal em alguns instantes. Baseado na peça teatral homônima de Jordan Harrison, o roteiro não estabelece pontos de virada dramaticamente relevantes, fazendo da elipse uma figura de linguagem meramente funcional, sem aproveitar-se dela como elemento de construção da capital atmosfera de impermanência.
Marjorie Prime se perde numa espiral de reincidências. A cada perda o processo se repete, porém, sem que Michael Almereyda consiga, de fato, estender as considerações. Tim Robbins e Geena Davis apresentam desempenhos burocráticos, sem contribuir especialmente à reverberação sentimental do filme. Não há, ainda, uma investigação minimamente interessada na questão da fidedignidade das rememorações, sejam as “plantadas” por humanos proprietários de uma inteligência artificial, ou as humanas, tão passíveis de distorções involuntárias. O ritmo lento, excessivamente compassado – fragilidade oriunda, sobretudo, da falta de habilidade do realizador em trabalhar os chamados “tempos mortos” –, tornam um tanto maçante a sessão deste longa-metragem que, a bem da verdade, não alcança potência como exemplar sci-fi, derrapando ao tentar se esquivar de chavões e lugares-comuns.
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