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Sinopse

Yolanda Bel tem um cotidiano desregrado. Após presenciar a morte do namorado por overdose de drogas, a cantora de cabaré decide buscar refúgio no convento das Redentoras Humilhadas, cuja Madre Superiora é sua grande fã. Lá encontra freiras que já cometeram (e continuam cometendo) as suas cotas de pecados mundanos.

Crítica

O namorado de Yolanda Bel (Cristina Sánchez Pascual) morre após uma overdose de cocaína. Sabendo que pode ser considerada suspeita, ela busca refúgio no convento das Redentoras Humilhadas, cuja Madre Superiora (Julieta Serrano) é fã incondicional de seu trabalho. Ela entra no local de clausura e penitência com um extravagante vestido vermelho, sendo logo hospedada no melhor quarto, outrora o abrigo de uma filha de nobres, que, sabemos mais tarde, foi comida por canibais durante uma expedição na África. Em Maus Hábitos, Pedro Almodóvar direciona sua iconoclastia sarcástica à Igreja. Todas as freiras do filme têm nomes esdrúxulos, isso para que a degradação recaída sobre elas seja potencializada. Irmã Rata de Esgoto (Chus Lampreave) escreve novelas baratas e sensacionalistas com o pseudônimo de Concha Torres. Irmã Esterco (Marisa Paredes) é acometida por alucinações e toma ácido querendo melhorar. Irmã Perdida (Carmen Maura) cuida de um tigre-de-bengala adulto como se fosse seu filho. Por fim, Irmã Víbora (Lina Canalejas) tem uma inclinação à moda.

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A direção de arte e o figurino são elementos caros ao cinema detalhista de Almodóvar. Em Maus Hábitos é imprescindível o contraste entre o minimalismo comumente associado ao cotidiano religioso e a profusão de cores e formas deflagrada a partir da chegada de Yolanda. Ainda nesse sentido, o quarto da hóspede reforça o estranhamento satírico, alimentado pelas discrepâncias estabelecidas com intenções ora cômicas, ora ferinas. A protagonista do longa-metragem é uma mulher que não aspira a qualquer redenção, muito menos à paz de Deus entre as moradoras a ele tementes. Sua presença expõe os pecados alheios, especialmente a obsessão e os vícios da Madre, já que as demais freiras se sobressaem muito mais por seus caráteres insólitos do que propriamente por qualquer traço de estrita transgressão. Almodóvar cria personagens curiosas e simpáticas ao espectador, trazendo o, em princípio, purificado para o nível do ordinário. A função do humor que entrecorta a trama é a de ressaltar o ridículo de um modo afetuoso, sem qualquer ranço, moralismo ou peso excessivo.

É evidente que a Madre Superiora nutre outros sentimentos por Yolanda, para além da admiração. Seus olhares expressam amor e luxúria, resultado do trabalho preciso de Julieta Serrano. Aliás, o elenco desempenha papel fundamental para o êxito de Maus Hábitos, pois apresenta a harmonia característica dos filmes de Almodóvar. Chus Lampreave cativa com o carisma de sempre, num registro, também habitual, que fica entre o ranzinza, o nonsense e a ternura. Marisa Paredes está hilária na pele da freira que faz do autoflagelo uma arte. Mesmo Carmem Maura e Lina Canalejas, as duas com menos espaço, têm seus momentos de brilho próprio, como na ocasião em que a primeira alimenta o tigre enquanto conversa a respeito de trivialidades, ou na exibição dos talentos criativos da segunda, ela que faz vestidos às imagens da virgem Maria, um para cada estação do ano. Por sua vez, Cristina Sánchez Pascual personifica muito bem a estranha nesse ninho embalado menos pela palavra de Deus, e mais por substâncias proibidas, fofocas e toda sorte de elementos/expedientes pouco associados à rotina de um convento.

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Maus Hábitos é até hoje uma das principais realizações de Pedro Almodóvar, exemplar de sua mirada debochada, porém contundente. O escracho não se enverga até tornar-se banal, pois, antes de ser o objetivo, é o caminho pelo qual o artista transita para refletir acerca do mundo que o circunda. O padre interpretado por Manolo Zarzo é a única figura masculina que se insere com algum efeito no ambiente essencialmente feminino. Degradado pela falta de dinheiro, o convento se veste de cores e brilhos para o aniversário da Madre Superiora, não sem antes esta e sua protegida cheirarem uma carreira de pó a fim de garantir a animação. Embalado por boleros e outras canções sentimentais, valendo-se do kitsch, daquilo que, segundo o convencional, denota mau gosto, Pedro Almodóvar faz uma crítica agridoce aos procedimentos da Igreja Católica, convidando pecadores de várias naturezas a conviverem num espaço onde assumir falhas e desejos é algo bem-vindo. Assim, caem as barreiras que separariam o mundano do pretensamente santificado.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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