Crítica
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Sinopse
Maxine Minx agora está em busca da tão sonhada carreira como atriz em Hollywood, EUA. Mas além dos testes de elenco, ela terá que se esforçar para resistir às ameaças de ataque do Perseguidor Noturno, assassino em série que está aterrorizando a região.
Crítica
Depois de ter sobrevivido a um massacre, pagando o preço de se transformar em assassina para não virar defunta, Maxine (Mia Goth) persegue o sonho de se tornar uma estrela hollywoodiana. Figurinha carimbada na sessão pornográfica das locadoras, eventualmente reconhecida por homens que lhe lançam sorrisinhos maliciosos, a atriz pretende fazer a transição para o cinema “sério”. Por isso no começo de MaXXXine ela está empenhada em conseguir o papel na continuação de um nunsploitation, subgênero de terror famoso na Europa dos anos 1970 que tinha freiras encapetadas (e sexualizadas) como protagonistas. Nessa passagem do pornô ao mainstream o horror é o próximo degrau, o que faz sentido como percepção industrial, levando em consideração o fato de o gênero orientado pelo medo também sofrer enormes preconceitos. Fechamento da trilogia iniciada com X: A Marca da Morte (2022) – do qual é continuação cronológica direta – e seguida por Pearl (2023), o filme é ambientado nos Estados Unidos conservadores dos anos 1980. E o cineasta Ti West nos lembra sempre que esse ideal reacionário é o grande perigo pairando sobre a protagonista, mais do que o assassino em série estilizado como se tivesse saído de um giallo italiano. A respeito da alusão histórica, o filme é inteligente ao desenhar a onda conservadora como a vilã, o prenúncio de algo ruim. Carolas protestam nos estúdios e Ti West entremeia esse painel tétrico com depoimentos reais de artistas defendendo suas obras atacadas. Ficção e realidade aproximadas, depois estética e brutalmente divorciadas.
MaXXXine se passa em Hollywood, terra onde vivem os perseguidores do estrelato e aqueles frustrados por terem perdido o fôlego enquanto escalavam rumo ao Olimpo. Na verdade, Ti West aproveita essa vocação postiça da cidade dos sonhos para apostar alto na artificialidade. Todos os personagens são resultados de uma modelagem – como o angustiante processo que duplica o rosto de Maxine e quase a sufoca na sala de maquiagem. Assim há múltiplas camadas de falsidade nessa narrativa que também fala de máscaras. Investigadores da onda de assassinatos que impõem o suspense, os policiais parecem recortados de um filme B – um deles, inclusive, diz repetidamente que tentou a carreira artística (e quem não, nessa fábrica de desilusões?). A diretora Liz Bender (Elizabeth Debicki), que escolhe a dedo Maxine para protagonizar Puritana 2, assume uma postura masculinizada e impositiva, ciente do que se espera de alguém em sua posição e/ou mesmo do comportamento que precisa ter para ganhar respeito numa indústria machista sendo chacoalhada pelos ventos conservadores. A própria Maxine é um protótipo estereotipado de aspirante a estrela que flerta com a criminalidade, não por desejo natural de machucar alguém, mas por instinto de sobrevivência. Como em X: A Marca da Morte, a atriz não hesita em puxar uma arma e intimidar seu agressor, aqui vestido de Buster Keaton (na cidade cheia de fantasmagorias cinematográficas), o machucando de verdade. Para ela não basta subjugar o potencial algoz, é preciso fazer um gesto eloquente para afirmar quem está no poder.
Talvez, MaXXXine nem seja o melhor dessa trilogia reverente. Pearl é um filme mais fácil de ser apreciado, até por conta de seu desenvolvimento, digamos, menos heterodoxo. No entanto, este fechamento da trilogia é o mais agressivo dos três filmes que a compõe, aquele que melhor articula seus elementos para esticar a corda do bom gosto e se aproximar, com clara noção do perigo, da vulgaridade. Neste ápice, Hollywood é construída como um enorme abismo e, segundo o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, “quando você olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você”. Maxime encara Hollywood e por ela é encarada de volta. Antes como fascinação, vide a cena belíssima em que Maxine se sente hipnotizada diante da casa macabra onde Alfred Hitchcock filmou Psicose (1960). Aliás, nesse momento Ti West parece nos dizer: Maxine não está diante de uma fachada de mentira, mas de um ícone cinematográfico. Ou seja, as coisas adquirem sentidos a partir de determinados significantes. Um espectador que nunca viu Psicose ficará sem entender que naquele plano Maxine é abstraída pela perversidade de Norman Bates, o personagem maníaco brilhantemente interpretado por Anthony Perkins em Psicose. Por sua vez, Hollywood enxerga Maxine como explorada, a mercantilizando. Por mais que a diretora de Puritana 2 fale de alta cultura, a atriz precisa mostrar os seios durante o teste. De certo modo, o cineasta evoca Dublê de Corpo (1984), de Brian De Palma, com o qual seu filme tem semelhanças: os candidatos a astros e estrelas; a marginalidade do pornô; o tom maneirista.
Ti West é um apostador agressivo e isso fica claro em MaXXXine. Ele abraça a estética dos anos 1980 e incute fortíssima carga fetichista em tudo. Enquanto Maxine é chantageada pelo detetive particular propositalmente canastrão vivido pelo ótimo Kevin Bacon, o espectador ganha uma perspectiva privilegiada sobre ela ser stalkeada pelo assassino em série. Assim, Maxine não sabe que é perseguida, mas nós sabemos. Ainda dentro da construção do microcosmo hollywoodiano deliberadamente canhestro, há o agente interpretado por Giancarlo Esposito, representante do clichê gângster tantas vezes atrelado aos gerentes de carreiras nessa terra de mentira. Quando o filme parecia ter esgotado o seu arsenal referencial e as relações entre esses personagens abertamente artificiais, Ti West triplica a aposta na infâmia ao fazer uma revelação nonsense sobre a identidade do assassino. Misturando melodrama familiar e fanatismo religioso à moda exploitation, ele manda a coerência e o bom senso para bem longe. E isso faz sentido como provocação simbólica, pois Maxine vive na época em que a sociedade norte-americana se inclinava novamente ao conservadorismo e ressurgia o antagonismo “América Puritana vs América Vulgar” dos anos 1960/1970. Ti West abraça a vulgaridade com vigor, contrapondo com uma forte atitude obscena a mediocridade standard do cinema puritano feito para alcançar consenso. O clímax é admirável como gesto cinematográfico controverso, ao mesmo tempo uma homenagem apaixonada à liberdade do exploitation e uma maneira corajosa de nos chacoalhar.
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