Me Leve Para Algum Lugar Legal
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Ena Sendijarevic
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Take Me Somewhere Nice
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2019
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Holanda / Bósnia
Crítica
Leitores
Sinopse
Alma é uma jovem holandesa de origem Bósnia. Quando descobre que o pai distante está internado no hospital, decide voltar à terra de seus parentes para encontrá-lo. Ela é acompanhada pelo primo Emir e pelo melhor amigo dele, Denis.
Crítica
Esta comédia bósnia-holandesa demora a apresentar seus personagens e objetivos. Antes que uma história comece a se desenvolver, o espectador é confrontado à estranheza da imagem. Apostando numa janela próxima ao quadrado (1.33 : 1), a diretora Ena Sendijarevic trabalha com planos fixos e composições inusitadas. Ora os personagens estão espremidos no canto desse quadrado, com um amplo espaço de teto e parede ao redor, ora eles são vistos em planos inclinados, em plongés e contraplongés sem justificativa narrativa. Para filmar uma garota chorando, a imagem se foca em suas panturrilhas desfocadas. Para mostrar uma cena de sexo, filma o espelho invertido e parcialmente rompido no teto do elevador. Para revelar a subida da garota pelas escadas de um prédio, concentra-se na mão que segura ocasionalmente o corrimão. O efeito inicial produzido por estas escolhas é de ordem humorística: ri-se do olhar deslocado, visando retratar pessoas igualmente deslocadas na sociedade. Não é fácil produzir comicidade pelo simples enquadramento, mas em Me Leve Para Algum Lugar Legal a cineasta consegue fazê-lo.
No entanto, a piada rapidamente se esgota quando se percebe que as bizarrices imagéticas constituem uma finalidade em si, ao invés de uma forma adequada ao conteúdo. As angulações, profundidades e focos incomuns se multiplicam, mas a narrativa jamais avança. A princípio, este deveria ser um road movie sobre Alma (Sara Luna Zoric), adolescente que decide visitar o pai ausente no hospital quando descobre a doença grave dele. Ela é acompanhada pelo primo e um amigo. A premissa possui potencial dentro dos moldes típicos do drama indie norte-americano – caso em que todos os personagens seriam “perdedores” de pouca inserção social, confrontando suas estranhezas no trajeto até se tornarem grandes amigos no final. Entretanto, a cineasta se recusa a fornecer qualquer desenvolvimento emocional, apostando numa frieza artificial, e também cômica. Nunca se explora os sentimentos de Alma pelo pai, e uma vez chegado o hospital, os acontecimentos não surtem qualquer efeito na garota. O primo Emir (Ernad Prnjavorac) e o amigo dele, Denis (Lazar Dragojevic) surgem quando querem e fazem o que lhes convém. Ninguém possui objetivos definidos, vontades claras, desejos pulsantes. A narrativa acompanha o deslocamento de três adolescentes entediados.
Ainda mais problemática é a construção de Alma e sua relação com o sexo. A jovem está próxima da fase adulta, mas estima ser incapaz de chegar ao hospital da cidade vizinha por conta própria. Bastaria pegar um trem, mas ela e a mãe a convencem de que a viagem seria impossível sem uma companhia masculina. A garota passa a ser infantilizada e sexualizada ao mesmo tempo: por um lado, esquece de subir no ônibus e perde a mala, por outro lado, passa a pintar o cabelo de loiro e retirar peças de vestuário, até se deslocar unicamente com uma camiseta branca que lhe cobre parte das coxas. A montagem fornece insinuações eróticas o tempo inteiro: um plano se fecha na virilha da garota de camiseta e sem calças, e logo após mostra o detalhe dos lábios do rapaz que a deseja. Alma não demonstra vontades nem capacidades particulares, porém se move pelas iniciativas sexuais, mostrando-se disposta a deitar com qualquer homem que lhe dê carona. Ela se oferece com olhar apático a um homem mais velho, depois a Denis, Emir e Denis de novo. Um rapaz se aproxima dela e insinua a vontade de fazer sexo. Ela não apresenta interesse, mas consente. A trajetória entre Holanda e Bósnia converte-se na viagem de uma ninfeta aborrecida, que se masturba e transa com outros homens por tédio.
O tédio, aliás, pauta todo o filme e também a experiência oferecida ao espectador. Enquanto o roteiro multiplica os lugares comuns do road movie – o carro quebrado, o atropelamento de um cão, a descoberta da mala errada, um show de variedades no meio do caminho -, Me Leve para Algum Lugar Legal faz questão de mostrar que nenhuma dessas passagens transformará o trio principal. De certo modo, há atividades demais e conflitos de menos: os protagonistas efetuam diversas ações, mas nenhuma delas faz com a história evolua, ou com que as personalidades se desenvolvam. Move-se pelo imperativo de mover, sempre com uma imperturbável aparência de cansaço. Sendijarevic poderia trazer alguma variação entre os três, equilibrando uma figura de personalidade sanguínea com outra de tom estoico. No entanto, limita-se a reforçar o aspecto blasé do conjunto. Nada soa verossímil nesse trajeto: os encontros com desconhecidos, as cenas de sexo, a passividade com que acatam cada acontecimento à frente. Mesmo focando-se apenas nos três personagens, juntos num local isolado, o roteiro faz com que se percam um do outro, sem motivo aparente. Basta um corte da montagem para Emir ou Denis desaparecer. Para onde foi? Pouco importa.
Este raciocínio se aplicaria ao filme como um todo. Pouco importa para onde vai Alma, se voltará em segurança, se sentirá algo pelo pai doente, se tecerá laços duradouros com os garotos. Ninguém se preocupa muito com esta trajetória, e o filme tampouco. O maior incômodo desta comédia se encontra na superficialidade das relações: Alma poderia estar ausente de sua própria narrativa, e não traria qualquer consequência ao mundo ao redor. Poucas protagonistas são tão descartáveis quanto a garota que terminará a viagem no meio do nada (assim como veio), limpando esperma da vagina. Seria incorreto dizer que a história anda em círculos, porque isso suporia alguma forma de conclusão. Ela simplesmente não anda. Cria-se o road movie da imobilidade, a “viagem transformadora” em que nada se transforma, o olhar inconsequente a questões tão consequentes quanto o sexo e a morte. Caso aprofundasse o absurdo dos enquadramentos, poderia obter algum efeito semelhante àquele produzido por Roy Andersson e Aki Kaurismaki, dois radicais utilizadores dos planos fixos. Ora, Sendijarevic recusa qualquer forma de radicalidade – a não ser que se enxergue na apatia uma proposta radical. Ao final, nada marcante acontece a estes personagens que atravessam os cenários como fantasmas.
Filme visto online no 7º BIFF – Brasilia International Film Festival, em abril de 2020.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Bruno Carmelo | 2 |
Alysson Oliveira | 7 |
Leonardo Ribeiro | 6 |
Francisco Carbone | 8 |
MÉDIA | 5.8 |
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