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Sinopse

Em meio à necessidade de distanciamento social por conta da Covid-19, cinco duplas diferentes tentam como podem permanecer juntas, fazendo do afeto um bálsamo para os dias difíceis.

Crítica

A pandemia da Covid-19 trouxe ao nosso cotidiano a apalavra isolamento. Me Sinto Bem Com Você observa personagens que se encontram praticamente sozinhos e, assim, têm potencializadas inseguranças e medos. Não fosse a dinâmica das duas irmãs que marcam encontros temáticos remotos, resgatando da memória a ternura da infância, o mais recente longa-metragem de Matheus Souza seria tão e somente a respeito de casais enfrentando as turbulências da quarentena. Aliás, a exceção aparece ali como um corpo estranho, manifestação insuficiente da vontade de abrir o escopo dos afetos postos à prova na circunstância excepcional da pandemia. Tom (Matheus) e Adriana (Manu Gavassi) são ex-namorados ensaiando uma reaproximação depois do término traumático no passado. Nessa negociação que rapidamente cai num redemoinho repetitivo de palavras e tons, eles se abrem um ao outro por falta de opção. Ambos fragilizados, cedem espaço à ideia de reatar. Suas conversas parecem pequenas vinhetas melancólicas sobre um nobre sentimento redivivo.

Me Sinto Bem com Você apresenta uma construção visual adaptada à necessidade do distanciamento. Apenas o casal interpretado por Thati Lopes e Victor Lamoglia divide o teto, sendo as demais convivências intermediadas por telas. Matheus utiliza a técnica do split screen ­– a criação de uma imagem composta pela divisão do quadro em duas ou mais partes – para estabelecer o dinamismo das conversas entre seu personagem e a de Manu Gavassi. Bastante reprisado, o recurso soa cansativo. Tom e Adriana estão efetivamente separados, em espaços distintos, e nem sempre essa fragmentação oscila entre soma e divisão. Entretanto, o que vai sobrecarregando a interação nem é tanto a repetição de procedimentos, mas a declamação fundamental na troca de carinhos hesitantes, isto normal tendo em vista o histórico do namoro. Eles são indícios de uma geração que parece viver integralmente certa pós-adolescência, na qual os problemas adquirem forçosamente contornos desbragadamente melodramáticos. E esse descomedimento prevalece.

Os demais vínculos estudados em Me Sinto Bem com Você conferem variedade ao conjunto, embora isso não signifique aprofundamento. Eduardo (Richard Abelha) tem dificuldades para prosseguir seu rolo com Helena (Amanda Benevides), pois não se vê restrito a uma lógica sexual. Se trata do arquétipo do bom moço, do menino bonzinho servindo de contraponto ao estereótipo do macho escroto. Mergulha-se pouco no âmago desses jovens, em suas fragilidades e impossibilidades. O que o filme faz é apresentar os porquês de cada um estar sentindo os efeitos do isolamento, sobretudo dentro de suas noções de relacionamento afetivo. Depois, se contenta com os supostos paliativos. O romance entre uma influenciadora digital e a candidata a namorada (uma muleta), por exemplo, abre várias portas, sendo a principal delas a possibilidade de compreender a visibilidade nas redes sociais como igualmente ressignificada pela pandemia. Mas, o apagamento de stories em que alguém extravasa suas frustrações é apenas uma desculpa para outra rubrica sobre amores ameaçados.

Ainda que sofra por essa superficialidade que toma o longa de assalto, o segmento protagonizado pelos comediantes Thati Lopes e Victor Lamoglia é o melhor de Me Sinto Bem com Você. A personagem dela se enfastia das piadinhas sem graça dele, contradizendo mentalmente o que as réplicas cordatas expressam. A dor da convivência se impõe sobre essa jovem irritadiça e desesperada para encontrar uma saída, isso até ele propor repentinamente a ruptura. As brigas, os desabafos repletos de ditos agressivos, mas que não representam o sentimento compartilhado, tudo isso aponta para uma encruzilhada emocional que tem sua carga de dramaticidade bem preservada. No entanto, mesmo esse duo acaba num âmbito um tanto infantilizado, no qual o relacionamento a três é visto como se um jogo recreativo sem efeitos colaterais. Falta substância a essas cirandas humanas afetadas na mesma medida pela pandemia que impõe medo/isolamento e pelas contingências de cada pessoa envolvida. Tudo acaba sendo bonitinho, fugaz e sistemático demais.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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