Crítica
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Sinopse
Durante uma disputada competição de cabeleireiros, acontece um misterioso e bizarro assassinato.
Crítica
O rei está morto. Ou, melhor dizendo, um rei está morto. E assim, como seria de se esperar, são muitos os que anseiam por ocupar o lugar que agora está vago. Em questão de horas, aquilo que era dado como certo se altera, e o que há muito se acreditava estar enterrado virá a tona, resgatando antigas intrigas, memórias deturpadas pelo tempo, sentimentos adormecidos e dúvidas que voltarão a atordoar com a mesma – ou talvez até maior – força de muito antes. Este cenário de duelos e discussões, de debates e versões servirá de pano de fundo para o drama a se desenrolar no centro da ação de Medusa Deluxe, longa de estreia do cineasta inglês Thomas Hardiman. E se a sinopse alerta para um embate de proporções épicas, tal leitura se mostrará ainda mais inesperada diante do confronto do espectador com o ambiente no qual estes encontros se darão: os bastidores de um concurso de cabeleireiros. Um universo de aparente frivolidade, mas capaz de esconder em suas entranhas dores e conquistas insuspeitas diante de um olhar superficial. Tal qual esse filme, que aos poucos vai revelando um potencial que nem sempre chega a ser explorado a contento, mas que nem por isso se distrai de suas reais intenções.
Medusa é uma figura da mitologia grega facilmente reconhecível não apenas pelos poderes que possuía, mas também pela aparência indisfarçável. Dona de serpentes no lugar dos cabelos, era capaz de transformar em pedra qualquer um que a ela dirigisse diretamente seu olhar. O deluxe, por outro lado, vem do luxo e da sedução, do empoderamento que uma tesoura bem manejada e um laquê aplicado de modo apropriado são capazes de criar, fazendo daquilo desprovido de interesse em algo hipnótico e encantador – ou seja, tal qual o monstro da lenda, escondendo por trás da beleza uma verdade assustadora (ou o contrário). Hardiman parte, portanto, de diálogos afiados, construídos com uma precisão cirúrgica, para sem pressa ou atropelos ir montando o seu quebra-cabeças, deixando qualquer sentido de urgência de lado, ao mesmo tempo em que não perde no horizonte o caminho ao qual se dirigir. Algo grave aconteceu. E por mais – ou menos – que se fale a respeito, a esse lugar cada um, ao seu modo ou empurrado por outros, acabará por convergir.
O diretor, que também é roteirista, por vezes se revela tão envolvido pelo mosaico que tem em mãos quanto seus personagens, e essa ausência de distanciamento não tardará a cobrar seu preço. São muitas as linhas em desenvolvimento – da profissional em busca de uma chance para mostrar seu talento àquela vista como braço-direito que esconde mais do que está apta a revelar, do dono do salão que não sabe o que fazer frente ao desfalque de um talento precioso ao amante que se vê perdido sendo obrigado a uma decisão que por muito tem adiado, daquela que não mais poderá contar com a genialidade criativa de quem poderia levá-la à consagração ao segurança que sabe mais do que gostaria – e oferecer a cada uma delas o equilíbrio necessário para não apenas se mostrar relevante, mas também não o bastante a ponto de monopolizar as atenções, confirma-se uma engenharia que nem sempre é alcançada com sucesso. Os elementos estão dispostos. Encaixá-los em suas justas posições, por outro lado, pode ser mais intrincado do que o imaginado.
Tal virtuosismo se torna evidente também pela opção do cineasta em fazer de sua história um imenso plano-sequência, literalmente ‘serpenteando’ de um extremo a outro, e com isso, confrontando relatos e expondo contradições. Assim, ninguém será santo ou demônio, mas tanto um quanto o outro. Um homem foi morto, e sua falta é sentida. Quem o matou – ou o que possibilitou sua partida – acaba por ser menos importante do que o impacto de sua ausência em cada um dos que desesperadamente tratam de preencher esse vazio, sejam eles autorizados ou não para tanto. No começo, a audiência será remetida a uma brincadeira aos moldes de Festim Diabólico (1948), de Alfred Hitchcock, porém sem a ironia e o deboche que apenas o mestre do suspense conseguia destilar sem se converter em algo exagerado ou reiterativo. Porém, o espectro aos poucos vai aumentando, e se obras de Robert Altman parecem se posicionar como referências certeiras, estará menos em discursos como os de Oeste Selvagem (1976) ou de Short Cuts (1993), que conseguiam associar humor à miséria humana, e mais em um título da fase final de sua carreira: Assassinato em Gosford Park (2001), no qual o crime é mero pretexto para um debate mais profundo – e transformador.
Thomas Hardiman, dessa maneira, é hábil em colocar à sua disposição um conjunto intrigante, do qual cada movimento poderá conduzir a uma nova revelação, ainda que o interesse esteja nestes movimentos inesperados e não no que eles, de fato, poderão proporcionar. Indeciso entre forma e conteúdo, o diretor faz de Medusa Deluxe um jogo de peças belas e estranhas, que captam o olhar de quem nelas se fixa, sem, porém, atender com precisão aos anseios dos envolvidos, independente de qual lado da tela se esteja. E se alguns poderão argumentar a respeito de uma indiscutível previsibilidade, também muito se poderá apontar sobre o entorno que agrega e o modo como confere a cada um dos seus elementos uma relevância insuspeita, ainda que fundamental. O resultado é falho, tortuoso e nem sempre satisfatório, mas ainda assim acima da mediocridade, o que, tanto numa disputa de gostos e favores como em qualquer manifestação que tenha a arte como foco é mais um meio do que um fim. A direção, portanto, está correta. Falta apenas um afinamento que somente o tempo – e a experiência – poderão proporcionar.
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