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Sinopse

O cenário é o Brasil dos anos 1960. Nele, um menino repleto de imaginação e energia enfrenta as dores e os prazeres do dia a dia em família, ao mesmo tempo em que se diverte com os amigos do bairro e na visita à fazenda do avô.

Crítica

Editado pela primeira vez em 1980, o Menino Maluquinho estreou em livro, depois foi para as histórias em quadrinhos, passou pela televisão e chegou aos cinemas em 1995, no sucesso infanto-juvenil Menino Maluquinho: O Filme. Sob a direção do cineasta mineiro Helvécio Ratton, o personagem criado por Ziraldo foi transportado para uma época indefinida nos anos 1960, com características ligadas a uma infância mais idealizada do que real. Não que isso seja um problema – aliás, muito pelo contrário. O que se vê em cena é quase uma homenagem, tanto ao cartunista que deu vida a essa figura tão icônica do imaginário nacional, mas também a todos aqueles que, tendo sido crianças um dia, ainda guardam vivas essas memórias. É um longa, portanto, direcionado ao público infantil, mas que talvez se comunique ainda melhor com espectadores adultos, justamente por resgatar uma época mais sonhada do que concreta.

Um dos marcos da retomada do cinema nacional, Menino Maluquinho: O Filme chegou aos cinemas num momento em que o espectador brasileiro estava começando a resgatar esse contato com a sua própria produção audiovisual. Se títulos como Carlota Joaquina: Princesa do Brazil (1995) e O Quatrilho (1995), todos da mesma época, se dirigiam a audiências mais maduras e com possibilidades de repercussões internacionais – o último, aliás, chegou a ser indicado ao Oscar – este aqui era tipicamente verde a amarelo, por assim dizer. Falava de si, e para si. Ao custo de US$ 2 milhões, foi lançado simultaneamente em 15 capitais do país – algo inédito naqueles anos – e alcançou quase um milhão de espectadores enquanto esteve em cartaz nos cinemas. Talvez tivesse obtido uma repercussão mais imediata caso fosse mais conectado com o tempo em que foi realizado – em cena, não se vê videogames ou celulares, por exemplo – mas, se assim tivesse sido feito, certamente não teria perdurado com tanta força na memória de seus admiradores.

Um dos grandes acertos foi a escolha do pequeno Samuel Costa – que tinha menos de 10 anos nas filmagens – para viver o protagonista. Como ele próprio afirmou em mais de uma ocasião posterior, não há atuação ali: ele é o próprio Menino Maluquinho. Seja com a panela na cabeça e o paletó azul, ou com a camiseta amarela tocando o terror entre a vizinhança do bairro onde mora, o garoto é pura espontaneidade. Esse prazer de se deparar com uma imagem tão característica das páginas dos livros e gibis agora em carne e osso tem impacto multiplicado por ele não estar sozinho: sejam os pais – Patrícia Pillar e Roberto Bomtempo, ambos adequados – ou o Vô Passarinho, tão maluquinho quanto o neto – Luiz Carlos Arutin, em seu trabalho derradeiro, em perfeita sintonia com o elenco infantil – passando por outros personagens marcantes, como Bocão (João Romeu Filho), Juju (Cristina Castro), Junim (Samuel Brandão) ou Shirley Valéria (Camila Paes). Aliás, palmas para os produtores de elenco e para as equipes de maquiagem e figurino, que conseguiram combinar caracterização com detalhes físicos e recriaram com perfeição cada uma dessas presenças.

Ziraldo buscou com o Menino Maluquinho muito mais um registro da infância perfeita, do que apenas narrar uma história com início, meio e fim. Assim, portanto, também se comporta o filme de Helvécio Ratton. Construído a partir de uma estrutura episódica, a trama acompanha a criança armando confusões na escola – a ponto de ir parar na enfermaria – e em casa – o que deixa a empregada Irene (Edyr de Castro, que voltaria a trabalhar com o cineasta em Uma Onda no Ar, 2002, e em Pequenas Histórias, 2007) – ainda mais atarefada. Ele passa seu tempo aprontando com os amigos – a cena da corrida de rolimã é um primor de naturalidade – e tendo noites repletas de sonhos fantásticos – o relógio gigante foi um dos maiores desafios da produção, e o resultado está à altura das expectativas. Lá pelas tantas, o Vô Passarinho aparece e o leva, assim como alguns dos seus colegas mais próximos, para umas férias improvisadas na fazenda do interior. Com isso, abre-se um espaço ainda maior para esse olhar caridoso e enternecido, que combina doces feitos em casa com roubo de mangas do vizinho, fugas em balões de gás de cachorros raivosos capazes de escalar árvores até disputas de campeonatos de futebol improvisados entre as crianças da região.

Mas é claro que nem tudo é cor-de-rosa nesse mundo imaginado. Ratton não se esquiva de introduzir alguns pesares, elementos sutis, mas apropriados às vivências de muitos dos espectadores dessa idade. É assim que vemos Maluquinho tendo que descobrir como lidar com a separação dos pais, assim como com a morte inesperada do avô. Estas questões pontuam, ainda que não sejam problematizadas em excesso. Rendem dois ou três momentos de reflexão, mais como sinais de alerta, e menos como tramas a serem aprofundadas. Ou seja, fazem parte do cenário, mas não de uma forma que exija debates mais tensos. Outros elementos, como a presença de negros, por exemplo, também são atenuados, longe de gerar a discussão que um olhar mais contemporâneo poderia proporcionar. Sendo assim, Menino Maluquinho: O Filme funciona exatamente dentro daquilo a que se propõe, como resgate de um tempo perdido, que talvez funcione melhor na imaginação do que nas memórias de quem, de fato, passou por tudo aquilo. É característico do ser humano se ater ao que de bom lhe aconteceu e empurrar para debaixo do tapete as más lembranças. Não teria por que, portanto, aqui ser diferente. Um belo filme, ainda que restrito a uma visão mais inspirada e menos factual da realidade.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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