Crítica
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Sinopse
Louis é diretor de uma empresa funerária. Aos 58 anos, nunca se casou, nem pretende — para ele, o trabalho ocupa a vida inteira. Já Igor, homem que teve uma paralisia cerebral ao nascer, tem 40 anos e trabalha entregando legumes aos moradores da região, enquanto dedica o resto de suas horas à leitura. Por acaso, estes dois homens embarcam numa viagem, a bordo de um carro funerário, para entregar os restos mortais de uma senhora idosa.
Crítica
O cinema está repleto de histórias nas quais os membros de grupos discriminados atuam em papeis fundamentais para alguém se tornar uma pessoa melhor. E geralmente esse alguém privilegiado é de uma parcela menos vulnerável da população. Pense na quantidade de filmes em que um homofóbico aprende sobre o respeito ao interagir com integrantes da comunidade LGBTQIA+ ou, numa toada semelhante, na quantidade de personagens racistas recebendo lições ao conviver com homens ou mulheres negros. Evidentemente que é importante a mensagem de aceitação e mudança de perspectiva. Contudo, não quando essa “lição de vida” acontece à custa da subalternidade do discriminado, em vários casos quando ele vira mera ferramenta à evolução moral/espiritual/comportamental do opressor. Preste atenção como em várias produções “bem-intencionadas” o preconceituoso monopoliza as atenções e o que sofre preconceito é tratado basicamente como uma prova de resistência a ser aceita. Mas, e a subjetividade dessa gente ainda assim estigmatizada? Cadê o protagonismo dela? Mentes Extraordinárias parece um filme disposto a entrar nesse terreno da comunhão entre os diferentes, mas ao menos tentando desviar de lugares-comuns, especialmente os que resultam na subordinação de uns em prol do crescimento daqueles que gozarão de mais protagonismo ao virarem bons.
No começo temos todos os motivos para acreditar que Mentes Extraordinárias será um filme convencional no sentido mencionado. Louis (Bernard Campan) é um agente funerário sessentão de cotidiano metódico. Ele lida com fornecedores e colegas com o mesmo pragmatismo (e cuidado) dispensado à maquiagem dos cadáveres para seus respectivos velórios. Paralelamente, somos apresentados a Igor (Alexandre Jollien), homem próximo de completar 40 anos que entrega verduras orgânicas num triciclo, assim desafiando diariamente não apenas o trânsito, mas também sua condição como pessoa deficiente – ele teve uma breve paralisia cerebral ao nascer. O roteiro (assinado pelos dois protagonistas) sugere rapidamente que as vidas dessas duas figuras completamente diferentes vão se cruzar. Sem surpresas, portanto, é isso mesmo o que acontece. E aí que notamos, ao menos, uma vontade do também diretor Bernard Campan de quebrar certos clichês sem perder de vista a jornada de vantagens mútuas. Em boa parte das obras de premissa parecida, os equivalentes a Louis demonstram imensa dificuldade para lidar com as particularidades da condição física dos semelhantes a Igor e, aos poucos, aprendem com as diferenças a serem pessoas melhores. Aqui há essa aquisição de noções engrandecedoras, mas numa via de mão dupla. Igor também tem ganhos e revela as suas subjetividades.
Embora seja previsível, Mentes Extraordinárias não cria uma oposição tão forte entre as realidades dos protagonistas. Louis parece ter toda paciência do mundo diante das recorrentes impertinências de Louis. E em nenhum momento o agente funerário demonstra qualquer dificuldade específica por lidar com um portador de necessidades especiais. Então, a presença de Igor pode até ser, digamos, emocionalmente pedagógica no fim das contas, mas não no sentido de quebrar uma preconcepção restrita/tacanha. As lições que um ensina para o outro são mais de natureza emocional do que comportamental. E, como cineasta, Bernard Campan não demarca didaticamente cada passo da jornada, fazendo dela uma decorrência natural do famigerado aprendizado. Tem horas que Louis parece resignado à presença de Igor, noutras efetivamente aproveita a companhia do desconhecido na estrada. Em nenhum instante as motivações são esmiuçadas ao ponto de esgotar as dúvidas. No processo de aproximação e afastamento das convenções, o longa constrói uma viagem para juntar dois solitários. A lógica do road movie é muito utilizada nesse tipo de enredo, especialmente porque permite deslocamento constante e uma renovação dos coadjuvantes que variam a relação principal. A iniciação sexual do homem com deficiência também pode ser incluída no pacote de acenos ao comum.
Importante pontuar que Igor é interpretado por um ator que efetivamente teve paralisia cerebral ocasionada pelo incidente com seu cordão umbilical durante o nascimento. Alexandre Jollien é um filósofo suíço que topou a empreitada de viver esse rapaz em busca de aceitação num entorno frequentemente hostil. E ele se sai muito bem ao atuar, inclusive incorporando a sua experiência real com os grandes pensadores como uma das características essenciais de Igor. Quanto a Louis, ele é quase um quadro em branco ganhando contornos aos poucos. E o mais interessante em Mentes Extraordinárias é a distância tomada da intimidade do agente funerário. Ele é alguém difícil de ser definido, mas definitivamente não embarca numa dinâmica com o novo amigo para aprender como respeita-lo. Desde o começo, Louis demonstra cortesia, atenção e ética. E somente próximo ao encerramento é que saberemos exatamente o que está por trás dessa introspecção que pode facilmente ser confundida com uma gentil apatia. Então, se, por um lado, o filme reproduz vários itinerários e situações já vistas trocentas vezes antes (a corrida destrambelhada, o discurso inesperado, a crise repentina, o aparente desacordo e a constatação do vínculo), por outro, há essa vontade de não estabelecer uma hierarquia dura entre os protagonistas. Ambos são modificados depois da breve temporada viajando com mortos.
Filme visto no 12º Festival Varilux de Cinema Francês, em novembro de 2021.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 6 |
Ailton Monteiro | 6 |
Bruno Carmelo | 7 |
MÉDIA | 6.3 |
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