Crítica
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Sinopse
Jovem dentista, careta e conservador, Júlio é abandonado pela namorada mais ou menos na mesma época em que descobre ser filho de um cantor popular e mulherengo dos anos 1970. Esse universo novo altera a sua vida.
Crítica
Anunciado como o “capítulo final” da Trilogia dos Corações Sentimentais – título dado pelo próprio autor e diretor, Rafael Gomes – Meu Álbum de Amores estabelece diálogo, portanto, com os dois longas anteriores do cineasta, 45 Dias Sem Você (2018) e Música para Morrer de Amor (2019). As três histórias abordam tipos contemporâneos, moradores urbanos de grandes centros, em busca de um amor eterno, capaz de mudar vidas. Há, no entanto, duas diferenças importantes nesse projeto mais recente. Primeiro, o que pode ser visto como motivo de lamento, é que a pauta LGBTQIA+, até então de grande relevância ao cineasta, perdeu quase toda a sua influência na trama, se manifestando de modo tangencial, mais como uma imposição e menos como uma necessidade narrativa. Depois, se faz necessário observar que, se um dos principais problemas dos outros filmes era justamente a construção dos personagens, muitos de difícil empatia com o espectador, dessa vez essa barreira é, ao menos em parte, transposta pelo talento do protagonista, interpretado por Gabriel Leone, um dos principais nomes de sua geração. É por ele, aliás, que o resultado evita de cair numa vala comum a qual tantos projetos similares parecem destinados.
Assim como visto em títulos dos mais díspares, do independente A Vida Secreta dos Dentistas (2002) até a comédia Meu Vizinho Mafioso (2000), nada pode ser mais enfadonho enquanto profissão – ao menos no ambiente ficcional – do que trabalhar como dentista. Pois essa é a função de Júlio (Leone), deixando claro que o realizador não está preocupado em evitar certos clichês. Porém, brincar com essas ideias pré-estabelecidas também faz parte da proposta. Afinal, logo após ser deixado pela noiva, com quem estava junto há cinco anos, o rapaz é também apresentado a uma outra revelação: seu verdadeiro pai foi um cantor brega que fez sucesso anos antes e que, após ter falecido poucos dias atrás no ostracismo, teria deixado tudo o que possuía – a casa onde morava e o que dentro dela estava – a ele e a um irmão que também desconhecia. Os dois rapazes decidem, em comum acordo, irem morar juntos no lugar que ganharam de herança. Assim, poderão conhecer melhor o pai que nunca souberam ter, assim como um ao outro. E, mais importante, também a si mesmos.
Júlio fica impressionado ao vasculhar o material que encontra, em especial com uma entrevista antiga na qual Odilon Ricardo (também Leone, mais desenvolto e sem medo de brincar com o ridículo, porém restrito a um ambiente farsesco) afirmava querer, como último desejo, que suas cinzas ficassem com seu “maior amor”. Quem seria essa, no entanto? Frente ao mistério, ele e Felipe (Felipe Frazão, de Todxs Nós, 2020) assumem para si a missão de descobrir a identidade dessa mulher. A proposta, como se vê, tinha potencial, e mesmo não sendo particularmente original, ao menos abriria portas suficientes para um bom drama familiar. Gomes, porém, restringe essa busca a apenas algumas rápidas entrevistas – o que permitiu participações fugazes, ainda que simpáticas, de nomes como Clarisse Abujamra e Regina Braga – que servem somente para reforçar uma personalidade alheia a compromissos, de enorme capacidade criativa, mas não muito afeita às tradições. Ele amou muito. Mas, pelo jeito, a ninguém em particular.
O que disso os filhos poderão retirar para seus próprios dilemas? Júlio passa a questionar tudo a seu alcance, da vida cômoda lhe oferecida pela mãe até mesmo o futuro como dentista – seria essa uma escolha dele ou dos pais que o criaram? – passando, inevitavelmente, pela relação que tanto depositou e pouco lhe ofereceu como retorno. Outro esquema narrativo irá se repetir, mostrando no rapaz o mesmo comportamento junto às mulheres que agora está percebendo ter sido o padrão paterno. Diversas garotas passarão pelos seus braços – de Lorena Comparato a Bella Camero – sem que nenhuma desperte nele a mesma atração que experimentou com Alice (Carla Salle, namorada de Leone na vida real). Por outro lado, Felipe sabe bem o que quer para si – viver da música, como o pai – e quem estima a seu lado – o namorado Gabriel (Rafael de Bona, de Madalena, 2021). Só que se tudo parece fácil demais para Júlio, para o irmão as coisas se mostrarão mais difíceis. Nesse contexto, poderia soar problemático o fato de um ser branco e o outro negro. Mas o filme não está interessado nesse tipo de polêmica, por mais que breves comentários sejam feitos (“você tem certeza que esse rapaz, que não se parece em nada com o seu pai, é mesmo filho dele?”).
Há uma curiosa dinâmica familiar já estabelecida entre Júlio e a mãe, a psicóloga Maria Helena (Maria Luisa Mendonça, de presença assertiva): quando em crise, os dois dão início a uma “dramatização” do conflito que atravessam, invertendo papéis e, com isso, reagindo como o outro no seu lugar. Eis, portanto, um exercício de empatia. Rafael Gomes emprega um recurso efetivo para alcançar essa conexão com o espectador – Meu Álbum de Amores é um “quase-musical”, com várias sequências alegóricas que servem tanto para comentar o desenrolar dos eventos como também pontuar a personalidade desse homem – Odilon Ricardo – pelo qual todos buscam, mas sobre quem nada (ou muito pouco) sabem. Mas esse é também um espaço de fantasia e imaginação, longe da concretude que os embates vividos pelos personagens experimentam. Assim, o discurso está posto, mas nele mergulhar será algo que dependerá mais da audiência do que da obra em si. Mesmo sendo ela liderada por um talento como o de Gabriel Leone, que tem não apenas um, mas dois tipos para defender. Uma tarefa árdua frente às condições oferecidas, da qual aproveita para reafirmar o carisma que eleva o conjunto do simpático e passageiro a um relato de descobertas digno de atenção.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 6 |
Edu Fernandes | 6 |
Alysson Oliveira | 6 |
Alex Gonçalves | 5 |
MÉDIA | 5.8 |
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