Crítica
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Sinopse
Cansado de ficar sozinho em Manhattan, nos Estados Unidos, DOG decide comprar um robô para lhe fazer companhia. Ao ritmo da Nova Iorque dos anos 1980, eles se tornam inseparáveis, mas DOG logo será obrigado a abandonar o seu amigo robô na praia.
Crítica
Por mais que o título escolhido pela distribuidora brasileira faça alusão a uma amizade, Meu Amigo Robô é uma história de amor. O protagonista é o cachorro sozinho que mora numa versão antropomorfizada da cidade estadunidense de Nova Iorque. Desde o começo fica evidente que ele procura uma companhia romântica, alguém para andar de mãos dadas e aproveitar (a dois) as coisas boas da vida. O cineasta argentino Pablo Berger mostra a carência de companhia por meio do olhar melancólico do Cão aos vizinhos que se aconchegam no colo alheio, em contraste imediato com o seu reflexo solitário na televisão. Mesmo nesse mundo imaginado, a tecnologia existe para amenizar buracos emocionais, então o protagonista compra um robô (que ele mesmo monta) com o qual passa a ter um cotidiano de casal. Antes que alguém acuse o crítico de forçar a barra, afinal de contas nem o cão e tampouco o androide são definidos a partir de qualquer marcador de gênero, é claramente sugerido que ambos sejam espécimes masculinos e estejam mutuamente envolvidos de modo apaixonado. Berger contrapõe a melancolia anterior do Cão com a sua felicidade andando ao lado do Robô com quem cria uma imediata afinidade. Isso até a imprudente incursão pelas águas transformar o sujeito inorgânico em corpo inerte. Enferrujado (ou algo semelhante), pesado demais para ser carregado, o Robô fica preso à praia no inverno.
Filme totalmente sem falas, Meu Amigo Robô é pródigo em soluções visuais, nisso resgatando algo vital da tradição do cinema mudo. Também almejando uma universalidade capaz de demolir barreiras nesse mundo interconectado, com isso facilitando seu trânsito global, a produção trata de sentimentos simples que podem ser expressos com olhares e gestos facilmente identificáveis. No entanto, é importante não confundir simplicidade com simploriedade, pois essa narrativa é bem pensada e executada no sentido de comunicar imediatamente. Outro ponto importante a ser ressaltado é que, embora não tenha falas, o longa-metragem indicado ao Oscar de Melhor Animação em Longa-metragem não é um exemplar mudo, pois se vale de uma ótima construção sonora que complementa o sentido da estrutura visual do filme. Berger utiliza a icônica canção “September”, da banda Earth, Wind & Fire, como tema musical para representar a sensação de felicidade que o Cão e o Robô têm na companhia um do outro. Assim, a canção se torna um elo emocional entre os amantes que serão separados e assim mantidos por conta das contingências da vida. Uma vez que simboliza o vínculo entre Cão e Robô, ela vira gatilho de saudade ao tocar enquanto os dois estão distantes. Essa associação cria momentos bonitos, alguns até dolorosos, sobretudo à medida que a sensação de separação permanente começa a parecer irremediável.
Voltando à construção visual nessa realidade colorida proposta por Pablo Berger, quase todos os espécimes animais são antropomorfizados, ou seja, possuem traços humanos. Apenas os pássaros e os peixes preservam as suas características naturais. Outra peculiaridade interessante é a observação de relacionamentos interespécies como uma norma. Toda vez que alguém toca a campainha do Cão, é possível ver a etiqueta sinalizando que o casal vizinho é formado por um felino e um frango. Quando olha ao prédio ao lado, o Cão enxerga um bovino se aconchegando carinhosamente no colo de um alce. Esse aceno simbólico à diversidade é condizente com o envolvimento central que, embora nunca adquira dimensão erótica, tem sintomas de amor romântico, daqueles que nos colocam na posição de espectadores-torcedores. Há inúmeros filmes nos quais amantes são impedidos de ficarem juntos. Aliás, há quem ache esses amores interrompidos e/ou interditados os mais bonitos do cinema, especialmente porque são emoldurados por uma idealização permanente e não desgastados pelo tempo. Mas, interessante que, depois de o Cão esgotar as possibilidades de resgatar seu amor encalhado na praia fechada até o próximo verão, o filme cria caminhos alternativos aos personagens, mantendo a saudade e o pesar no horizonte, mas oferecendo outras possibilidades aos dois (leia-se, novos amores).
Retomando uma afirmação do primeiro parágrafo deste texto, Meu Amigo Robô é um filme de amor, empenhado em valorizar os vínculos sentimentais criados para diminuir a abrasividade da solidão. Por certo, nesse processo de ressaltar os relacionamentos como as únicas fontes de felicidade duradora, Pablo Berger acaba reforçando a ideia de que a solteirice necessariamente representa tristeza por solidão, sobretudo ao não oferecer alternativas à felicidade, por exemplo, caso o Cão preferisse não estabelecer vínculos afetivos com alguém. De todo modo, mesmo separados, Cão e Robô precisam seguir caminhando, às vezes enfrentando problemas e crises que provavelmente seriam mais bem absorvidos se estivessem um ao lado do outro, noutras encontrando respaldo nesse novos e solares amores. O Cão se envolve com um pato (a cena deles soltando pipas é bonita como um símbolo da liberdade do sentir reciprocamente) e o robô acaba ganhando sobrevida ao ser remontado por um guaxinim companheiro que gosta de sorvete. No fim das contas, há a moral da história, algo definido na cena final, também alusiva à tradição cinematográfica dos amantes separados, que é o instante do possível reencontro. A mensagem é: não é preciso obscurecer a memória para viver um novo amor, cada afeto é parte ativa do que nos forma. Escrevendo assim pode parecer piegas e choroso, mas é precisamente ao amenizar esses dois efeitos-colaterais sentimentalistas que o filme ganha em ternura e graça.
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