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Sinopse

Em Meu Casulo de Drywall, Virgínia comemora os seus 17 anos com uma festa em sua cobertura. Apesar de tudo aparentemente perfeito, Virginia não consegue ignorar a ferida que cresce com o correr das horas. O dia seguinte nasce como uma tragédia que abala o condomínio. Virgínia está morta. Patrícia, sua mãe, vive o luto quase a ponto de enlouquecer. Luana se questiona se é culpada pelo destino da melhor amiga. Nicollas tenta ignorar a morte da namorada refugiando-se em sexo casual com funcionários. E Gabriel carrega o peso de um segredo e de uma arma.

Crítica

Antes de pensarmos nos personagens de Meu Casulo de Drywall, é bom identificar o cenário no qual essa história repleta de repressões e violências acontece: um condomínio de classe média-alta na cidade de São Paulo. A cineasta Caroline Fioratti ambienta a trama, que mistura a discussão sobre saúde mental e a radiografia de um estrato social específico, num lugar onde aparentemente reina a segurança. Nele, as pessoas não ficam à mercê da violência urbana, pois estão hermeticamente fechadas entre os muros vigiados que protegem os apartamentos com vistas panorâmicas para o restante da cidade – que vira uma espécie de pano de fundo distante. Juízes, generais candidatos a cargos eletivos, mulheres limitadas às convenções patriarcais. Essa é a fauna adulta do longa-metragem. Porém, o conjunto de figuras um tanto esquemáticas é meramente coadjuvante dos protagonistas, os adolescentes, especialmente Virginia (Bella Piero), sua melhor amiga, Luana (Mari Oliveira), seu namorado, Nicolas (Michel Joelsas), e o vizinho com tendências estranhas, Gabriel (Daniel Botelho). Quatro jovens prestes a entrarem na vida adulta, encarados pela trama como vítimas desse meio supostamente protegido no qual se proliferam brutalidades como homofobia, indiferença, egoísmo e invisibilidade, entre outras coisas. Tudo emerge depois da trágica (e obscura) morte da garota na noite do seu aniversário.

Meu Casulo de Drywall

Virginia está completando 17 anos e, como toda adolescente habitual, reivindica um pouco de autonomia. O roteiro também assinado por Caroline Fioratti alterna os preparativos do aniversário com o sofrimento generalizado em virtude da fatalidade acontecida na celebração. Utilizando a linguagem do thriller, a cineasta alterna vislumbres do presente entorpecido pela dor e do passado que gradativamente vai revelando o que aconteceu na noite fatídica. Caroline não esconde por muito tempo que a aniversariante morreu, situação que tira a casca das feridas emocionais dos envolvidos, os arremessando em crises pessoais. Não sabemos como a tragédia se desenrolou, de que modo Virginia deixou de ser uma menina festejando outro passo rumo à vida adulta e passou a ser a ausência incômoda provocadora de turbulências. Por mais que nosso interesse seja bem estimulado constantemente, a alternância esquemática entre as linhas cronológicas cobra um preço. Meu Casulo de Drywall utiliza, basicamente, o passado como dispositivo para explicar o presente de maneira didática. Assim, é estabelecida uma dinâmica de ação e reação relativamente simplista. Por exemplo, sempre que um dos jovens faz algo, quase imediatamente depois vemos um flashback com situações que “justificam” o gesto como efeito colateral de uma herança. Aliás, Caroline Fioratti claramente elege e aponta os vilões da história.

Tentando fazer das ponderações particulares um meio para formular comentários sociais mais amplos, a realizadora não atribui o sofrimento dos jovens a múltiplos fatores, atrelando-o estritamente às bagagens carregadas por serem filhos de quem são. Virginia vem de uma família aparentemente desestruturada, talvez tendo testemunhado a violência do pai interpretado por Caco Ciocler contra a mãe vivida por Maria Luisa Mendonça. Mesmo que não mergulhe nesse diagnóstico doméstico, Caroline pontua em vários instantes que as tormentas de Virginia têm uma nascente. Gabriel é o representante da adolescência incel/redpill, ou seja, a de garotos que odeiam mulheres e compartilham essa ojeriza perigosíssima em fóruns na internet. No entanto, ele não é visto tanto como subproduto da ordem familiar (no máximo, a mãe é criticada por ser evangélica), tampouco justifica esses rótulos odiosos com as suas ações. Gabriel mais vandaliza câmeras de segurança e fala obviedades sobre mecanismos de vigilância do que demonstra rancor pelas mulheres. Do quarteto, Luana e Nicolas são os mais fortemente considerados como subprodutos dos comportamentos materno/paterno. Meu Casulo de Drywall sustenta que o desespero dela por atenção é fruto da relação com a mãe doente e que a irritabilidade do garoto tem a ver com a repressão doméstica a uma orientação sexual inadequada a seu lar conservador.

Meu Casulo de Drywall

Em busca dos diagnósticos que lhe parecem pertinentes, Meu Casulo de Drywall toca em pontos interessantes, investigando a fragilidade das saúdes mental e emocional a partir da observação do comportamento estereotipado da classe social inclinada ao conservadorismo. No entanto, falta senso de urgência e veemência ao andamento do enredo. Em vários momentos a trama se arrasta mais do que deveria, insistindo em retratos anteriormente feitos e repetindo cenários conhecidos. Caroline Fioratti opõe uma juventude fragilizada, que encontra na violência e nos riscos um modo de extravasar frustrações, a adultos engessados, pouco aptos para lidar com o que escapa à sua enganosa sensação de segurança e controle. Nessa crônica de uma morte anunciada, resta ao espectador a dúvida sobre as circunstâncias da tragédia, interrogação que gradativamente perde importância. Saber se Virgínia caiu da sacada, teve uma overdose ou faleceu em circunstâncias misteriosas passa a não ser tão relevante à medida que a cineasta faz do conflito sócio-geracional o seu principal cavalo de batalha. De qualquer maneira, levando em consideração que estamos diante de um trabalho de estreante, há boas ponderações, ótimos desempenhos do elenco e cenas inspiradas. Por exemplo, a tensão que eletrifica a interação dos namorados se excitando com a ajuda de uma arma. Já outras circunstâncias funcionam menos, vide as demonstrações deslocadas de sofrimento da mãe. No fim das contas, o saldo é positivo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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