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Crítica


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Sinopse

Depois de anos de afastamento, os irmãos Nick e Tesla são obrigados a viver sob o mesmo teto para cumprir o testamento do pai. Ele é um cara irresponsável, enquanto ela gosta de tudo certinho e sem imprevistos.

Crítica

Nick (Alessandro Preziosi) tem características de dois arquétipos. O primeiro deles é o estranho que chega para mudar um contexto – e o cinema recorreu incontáveis vezes a esse sujeito encaixado pelas circunstâncias numa realidade para altera-la drástica, (in)voluntária e/ou sensivelmente. O segundo é o boa-praça visto como irresponsável pela família certinha da qual ele preferiu se desgarrar. Não são precisos mais do que 15 minutos de Meu Irmão, Minha Irmã para que haja outros indícios fortes de que o filme seguirá caminhos conhecidos e há muito trilhados. Sabe aquela coisa de alguém chegando num velório todo largadão, destoando pelo comportamento desleixado e pelas roupas coloridas? Temos. Sabe aquilo do testamento que, para ser cumprido, obriga as partes interessadas a algo que elas não fariam de livre e espontânea vontade? Temos. Sabe a convivência inicial deflagrando um abismo entre as mesmas partes que precisam ter o mínimo de cordialidade no dia a dia compartilhado? Temos também. Tendo isso tudo em vista, é fácil antever com certo grau de precisão o que acontecerá. O recém-chegado é filho de um renomado astrofísico. Nick não se dá bem com a irmã, Tesla (Claudia Pandolfi), mas é forçado pelo desejo do falecido a conviver com ela e os sobrinhos.

Tesla não fica para trás no quesito “já vi essa personagem inúmeras vezes”. Ela é a mãe-coragem que, ao contrário do irmão, permaneceu e aguentou as pressões paternas, bem como adiante segurou as pontas ao ser abandonada pelo marido. É a quem Nick mais tende a beneficiar com sua presença. Enquanto ele é leve, às vezes beirando à irresponsabilidade, ela é tensa, às vezes chegando perto de "asfixiar" os filhos. Mas, talvez, nenhum outro componente esteja tão a serviço do reforço de um estereótipo em Meu Irmão, Minha Irmã quanto a descartável busca da mulher por um amor. O cineasta Roberto Capucci mira na abertura de Tesla à possibilidade como um sintoma de flexibilidade. Isso está claro. Porém, já que a “leveza” do irmão passa pela vida sexual regular e a dela aparece depois do encontro com o bonitão, podemos imaginar que a falta de transa a tornaria suscetível à irritação? O filme tem dois protagonistas opostos que, no final das contas, acabam descobrindo (com boas forçadas de barra) que o afeto familiar é capaz de diminuir as distâncias e tornar as demais diferenças aceitáveis. E outro ponto negativo é a ambientação. Os protagonistas falam da casa como repositório de lembranças, mas o cenário escolhido é frio e sem sinais consistentes desse apego ao passado.

A grande fragilidade de Meu Irmão, Minha Irmã nem é a predominância dos personagens genéricos. O principal problema é a simplificação em prol desta mensagem rasa: a família é um ninho acolhedor para o qual podemos voltar em relativa segurança. Já a abordagem da esquizofrenia é bem-vinda, pois falar do assunto ajuda a desmistificar e/ou a tirar os pacientes psiquiátricos da incômoda invisibilidade. No entanto, quando Nick se instala, a contragosto de Tesla, prontamente recebe uma série de recomendações a respeito de como lidar com o jovem Sebastiano (Francesco Cavallo), menino que acredita piamente na iminência da mudança para Marte. E o que acontece na trama? Sabendo que não era possível expor o sobrinho a determinados estímulos e situações, Nick foi lá e fez. O resultado é que em somente uma cena não dá 100% certo essa quebra de protocolos médicos. Mais uma vez, o filme sacrifica a complexidade (e até mesmo a lógica) em função de uma moral da história: o ideal está entre a despreocupação de Nick e a extrema preocupação de Tesla. Juntos, os manos harmonizam a família; sozinhos, estão fadados a reproduzir comportamentos que tendem a afastar seus entes queridos. E para defender a tal tese, o roteiro não se preocupa em renunciar a nuances e afins.

Meu Irmão, Minha Irmã tem cinco personagens. Fora os três já citados, há a filha/sobrinha/irmã Carolina (Ludovica Martino), jovem revoltada que sai de casa, logo deixa de morar de favor e repentinamente vira uma microempresária de sucesso (haja suspensão da descrença). O filme não parece preocupado com a lógica em torno dela, a enxergando simplesmente como espelho para Tesla, apoio irrestrito a Sebastiano e alguém que fala verdades para Nick. O cineasta minimiza a subjetividade de Carolina, pois a valida a partir do que ela representa aos outros. O quinto elemento é Emma (Stella Egitto), musicista que em vários instantes parece meio à deriva, sem uma função tão relevante.  Em meio às resoluções fáceis (e convenientes) para problemas difíceis, Roberto Capucci demonstra que não confia na capacidade do espectador para compreender sutilezas. Tudo é destrinchado didaticamente. Exemplo disso, o advogado “explicando” a homenagem a Nikola Tesla e, o que se torna repetitivo, alguém traduzindo as emoções de outrem. É comum que durante as brigas domésticas, Nick ataque Tesla (e vice-versa) com interpretações que “revelam” o que estaria motivando as atitudes da irmã. No fim das contas, não teria como ser diferente disto: a conciliação surge, os ânimos são abrandados, a tragédia anunciada é apenas um susto ligeiro e todos estarão aptos para seguir adiante depois de finalmente abraçados pela família. Um resultado bonito? Humanamente, claro. Cinematograficamente, a que custo?

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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