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Crítica


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Sinopse

Um evento cósmico transforma os dois animais de estimação de Emma - um cachorro e um gato - em dois caras perfeitos. A garota acaba repensando sua visão sobre namoro, elabora seus problemas de confiança e, finalmente, aprende a se amar.

Crítica

O que aconteceria se nossos animais de estimação se tornassem humanos? Como seria a materialização humana de um gato, e qual homem representaria melhor um cachorro? Em Meu Namorado É o Bicho (2016), a solitária Emma (Kate Micucci) tem a vida transformada quando seu gato e seu cão se transformam em dois rapazes atraentes, ambos sedentos para viverem com a dona novamente. Pouco importam os motivos que levaram à metamorfose: o roteiro simplesmente a introduz, com a empolgação de uma criança inventando novos mundos. A narrativa se assemelha ao brainstorming de um grupo de roteiristas jovens: e se Diego (Justin Chatwin), o gato-homem, lambesse a palma das mãos, caminhasse de maneira sinuosa, escalasse uma árvore, mas não soubesse descer? E se Sam (Steve Howey), o cachorro-homem, fosse empolgado e gentil em excesso, com um gosto particular por cheirar a bunda de outros humanos e tentar copular com objetos pela rua? A premissa parte do absurdo, pela simples diversão de observar pessoas agindo como bichos. Trata-se do prazer de retirar de seus personagens (e seus atores) a civilidade.

A comédia exige pouco do espectador em termos de complexidade narrativa, no entanto solicita demais no que diz respeito à clemência. As reviravoltas da trama transbordam de golpes do acaso que vão muito além da mudança dos bichos. Emma tem seu projeto de trabalho roubado, mas nunca reclama nem busca seus direitos. No dia em que chora o término do namoro, o cachorro e o gato, ambos bem cuidados e com coleira, aparecem do seu lado, magicamente, esperando para ser adotados. Ela é considerada uma trabalhadora modelo na arte de desenvolver aplicativos, embora nunca a vejamos desempenhando qualquer tarefa profissional. Os humanos-bichos alimentam-se sabe-se lá como, dormem sabe-se lá onde, e aparecem perto da antiga dona quando convém à narrativa. Por que não revelam serem os animais queridos de Emma, visto que falam e raciocinam como humanos? Eles enxergam na protagonista uma figura materna ou uma parceira sexual? A lógica é alegremente ignorada nesta fábula semelhante às histórias transmitidas aos pequenos antes de dormir: “Era uma vez um cachorro e um gato, transformados em dois humanos...”. Faltava apenas criar a figura da fada madrinha, e oficialmente batizá-los príncipes. Mesmo assim, o projeto constitui a versão jocosa – não confundir com crítica – dos contos de fada, propondo à gata borralheira duas versões do homem perfeito: um sexy, o outro fiel.

O humor nasce de duas vertentes. A primeira, como se poderia esperar, provém da visão dos dois atores ridicularizando a si próprios, seja latindo, uivando ou brincando freneticamente com um ponto luminoso. Ambos estão comprometidos em suas versões clownescas de desconstrução da virilidade – um, pela incorporação de trejeitos considerados tradicionalmente femininos, como a sensualidade excessiva, e o segundo, pela total inabilidade diante de uma mulher. O segundo motor cômico, mais interessante, decorre do primeiro e diz respeito ao pacto de descrença assinado com o espectador: trata-se da atuação dos demais personagens, incapazes de perceber que os dois rapazes “maravilhosos” constituem figuras animalescas. Ainda mais inusitado do que assistir a humanos andando de quatro é presenciar outros humanos que não apenas consideram este comportamento aceitável, como ainda se sentem fisicamente atraídos pela dupla. O projeto brinca, de maneira nada sutil, com a inversão de estereótipos: o homem musculoso é percebido como feio, enquanto o rapaz de corpo comum se transforma no modelo prestigioso de uma marca de roupas. Nossa Cinderela não se encaixa nos padrões de embelezamento de Hollywood, e Kate Micucci faz questão de construir caretas que a afastem do padrão da beldade. O possível príncipe, Carl (Sean Astin), tampouco corresponde à idealização das comédias românticas.

O decalque das atuações em relação ao realismo corresponde ao melhor aspecto do projeto. Micucci brinca com o corpo franzino, a voz, as roupas de seu personagem. Steve Howey, acostumado a parodiar a figura do homem forte, exagera de uma maneira que seria impensável dentro da comédia naturalista, porém coesa com o estilo cartunesco da direção, enquanto Justin Chatwin imagina o corpo esguio e o caminhar sorrateiro de um gato, divertindo-se no papel. Eles poderiam soar desconfortáveis ou mesmo humilhados em tais situações, entretanto encarnam estes personagens como uma brincadeira descompromissada, um exercício cênico de corporalidade. Por nunca se levar a sério, Meu Namorado É um Bicho consegue reunir o aspecto ingênuo de um teatro infantil com uma visão liberal da contemporaneidade, incluindo tiradas sobre feminismo, inferninhos gays, a insegurança masculina e a masculinidade tóxica. O roteiro jamais explora estes conflitos a fundo, por privilegiar a embalagem inofensiva de um produto familiar. A estética acadêmica, e mesmo banal em termos de composições e iluminação, contribui à impressão de um projeto que não leva nada muito a sério - seja sua trama, seu discurso, suas imagens, sua estética. Tamanho despojamento produz uma ou outra escolha ousada dentro de um conjunto satisfeito demais em ser leve e minimamente agradável.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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