Crítica


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Sinopse

À frente de uma milionária empresa familiar, Pierre está prestes a fechar o negócio do século, mas para concretizá-lo precisa da assinatura de seu primo Adrien. Feliz por rever o parente, este sujeito afeito a cometer gafes vai retardar a assinatura para passar mais tempo com o primo.

Crítica

Meu (Querido) Primo apresenta um humor muito particular. O encontro entre os primos distantes Pierre (Vincent Lindon) e Adrien (François Damiens) proporciona a típica confrontação entre opostos: o primeiro é um empresário pragmático, que passa a vida fechando contratos com multinacionais. Já o segundo não possui ocupação fixa, dedicando os dias às plantas e ao autoconhecimento. Um teor próximo de Intocáveis (2011) poderia surgir da fricção entre pontos de vista diferentes, no entanto, o diretor Jan Kounen demora para investir na comédia. Durante pelo menos vinte minutos, encontramo-nos diante de um drama tradicional, com aspectos de suspense através de duas cenas de quase-morte envolvendo o protagonista (uma dentro do elevador, e a outra, na avenida). Quando uma aparente piada, discreta e deslocada do contexto, se introduz no roteiro, o teor surpreende: existiria espaço para a comicidade dentro da vida tensa de Pierre? Devemos rir dos personagens (por serem ridículos) ou com eles (porque se trata de figuras verossímeis em situações ridículas)? O projeto nunca se decide entre as duas possibilidades, o que resulta num humor em curto-circuito.

Desde seus primeiros filmes, o cineasta se consagrou enquanto provocador cujos retratos sociais corrosivos garantiram o sucesso tanto de público quanto de crítica. Agora, no entanto, a comédia de costumes se dilui em meio às boas intenções: embora critique a vida desumana do empresário, e a irresponsabilidade do primo, o filme demonstra piedade por ambos, afirmando que são meros produtos de uma sociedade maluca, e que nenhum deles deveria ser punido por suas ações. Em outras palavras, ao invés das piadas sobre o mundo do trabalho, apoia-se no discurso de que a modernidade é assim mesmo e as pessoas fazem o melhor que podem. O projeto torna-se condescendente com o sistema que pretende denunciar – sobretudo na conclusão, quando os problemas se resolvem magicamente e as pessoas retornam aos mecanismos dos quais haviam se libertado. Existe uma contradição evidente entre o cinema político e o cinema conciliador: seria impossível atacar a exploração do sistema capitalista sem atacar as pessoas e princípios que o sustentam. Mesmo assim, Kounen se esforça em dinamitar o edifício enquanto mantém os pilares intactos.

Em consequência, o humor se torna cada vez mais insistente, sem que o espectador saiba ao certo quando poderia ou deveria rir. Meu (Querido) Primo é composto por uma sucessão de piadas desprovidas de punchline, ou seja, da conclusão que permitiria a libertação do riso. Cada instante absurdo proposto por Adrien se torna progressivamente intenso, até a montagem suspender a cena e passar ao dia seguinte. Sequências de humor verossímil (o descontrole do empresário dentro da piscina) se combinam com outras grandiloquentes e histriônicas (o pouso do avião), em trechos que aparentam sair de filmes diferentes. Lindon e Damiens, dois excelentes atores, são instruídos a atuarem com seriedade: enquanto o primeiro trabalha como se estivesse num drama selecionado no Festival de Cannes, o segundo traz um nível de loucura contido, extravasado em poucas circunstâncias. O roteiro vende o improvável conceito da “Síndrome de Pipoca”, sobre pessoas que acumulam pressão até não aguentarem mais, explodindo e pulando sem controle por qualquer parte. A estrutura nos prepara para a gradação, com um único conflito (o primo “leve” provoca o primo “tenso”) esticado até o limite da resistência deste último. Ora, a catarse nunca ocorre de fato: apesar do clímax no castelo, o cineasta sublinha o tom de seus dilemas até abandoná-los de maneira súbita, pedindo aos dois personagens que façam as pazes. O amor prevalece ao absurdo.

Esta forma inesperada de humor também poderia ser considerada, ironicamente, um ponto alto do projeto. Bem-sucedida ou não em sua articulação exótica do tempo e do espaço, a iniciativa permite um resultado atípico dentro dos formatos padronizados do buddy movie, da farsa e do road movie. As mulheres permanecem relegadas ao status de interesses amorosos ou figuras coadjuvante de apoios, e mesmo a vida familiar (as brigas com a filha adolescente de Pierre) demonstram a tendência ao registro tradicional. No entanto, há certa audácia juvenil, ao limite da negligência, em suspender suas piadas antes do fim, propor intervenções oníricas em estética de videoclipe (os flashes do grande salão branco) e criticar alegremente a identidade francesa (o “gosto sem gosto” do vinho, o empresariado do CAC 40). Caso optasse por uma conclusão incisiva, contrária ao tom de autoajuda e às frases explicativas (“Foi aqui que você salvou a minha vida”), o resultado teria alguma afinidade com o sarcasmo de The Square: A Arte da Discórdia (2017), outro rolo compressor da contemporaneidade. Ao visar um amplo público familiar, a produção se domestica.

O filme propõe uma tese interessante: somos todos loucos, em maior ou menor medida, com o diferencial de que algumas formas de loucura se tornaram socialmente aceitas. Para Kounen, passar dia e noite perseguindo o lucro seria tão insano quanto morar numa clínica psiquiátrica. A insanidade assumida enquanto tal possuiria ao menos a vantagem da liberdade, visto que os pacientes medicados não precisariam se inserir no mundo opressor da “normalidade”. Não se trata de uma argumentação inovadora, nem muito sofisticada (a “loucura” é abordada pelo conceito mais popular do que clínico), porém permite colocar razão e emoção em pé de igualdade, ou ainda o sistema e o antissistema. Aqui, os opostos não se misturam, mas se atenuam. O diretor parte de dois extremos para chegar a uma forma de meio-termo insípido entre ambas as formas – politicamente, esta seria a ilustração de um projeto centrista. Ele também acena à desconstrução da figura do macho alfa, provedor e patriarcal, até ceder aos clichês de conversão da secretária em namorada, algo percebido enquanto sinônimo de final feliz. O cineasta mune-se de objetivos nobres, para então estimar ao longo da narrativa que já fez o suficiente pelo simples fato de cogitá-los.

Filme visto online no Festival Varilux de Cinema Francês, em novembro de 2020.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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CríticoNota
Bruno Carmelo
5
Robledo Milani
2
MÉDIA
3.5

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