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Sinopse

Em 1979, Sidney Magal, um dos artistas mais populares e celebrados do Brasil, segue a rotina de ensaios e compromissos em Salvador. Durante um programa de TV, conhece a deslumbrante Magali e é acometido por uma paixão inédita e avassaladora. Para conquistá-la, precisará vencer a resistência de Jean Pierre, seu empresário passional, além da desconfiança da família, dos amigos e da própria amada.

Crítica

Se utilizarmos como parâmetros os clichês das cinebiografias, Meu Sangue Ferve por Você diverge ligeiramente do filão por fazer um recorte muito específico da vida de Sidney Magal. Na verdade, o que afasta, mesmo, o longa-metragem dirigido por Paulo Machline dos modelos comuns é o fato de a protagonista ser Magali West (Giovana Cordeiro), garota soteropolitana que viria a ser a esposa de um dos artistas populares mais influentes do Brasil no século 20. Na trama, Magal (Filipe Bragança) já alcançou um sucesso estrondoso, daqueles capazes de suscitar a paixão e a devoção de fãs que se apinham na entrada dos hotéis nos quais ele se hospeda. No entanto, o roteiro assinado por Roberto Vitorino, Homero Olivetto, Paulo Machline e Thiago Dottori não está interessado na construção da idolatria, deixando a carreira do então jovem cantor em segundo (às vezes até em terceiro) plano. O filme é sobre a gênese do relacionamento que parecia improvável, sobretudo porque Magali não se tratava de uma fã de Magal e ele, por sua vez, era um astro quase inalcançável por pessoas “comuns”. Mesmo que escape a certos bordões das cinebiografias, entre eles o resumo da vida do artista homenageado, Paulo Machline escorrega em chavões desnecessários, como ao mostrar que a futura senhora Magal não gostava das músicas do famoso – o expediente é utilizado em vários romances de cinema semelhantes.

Alguns podem até dizer “mas foi realmente assim, Magali não gostava mesmo das performances dançantes de Magal”. Porém, o filme faz questão de começar garantindo que nem tudo a seguir é veraz, que certas coisas são propositalmente romantizadas. Então, como Paulo Machline reivindica a ficcionalização da realidade, nada o obriga em direção ao clichê da pretendente que se aproxima do ídolo (dos outros, não dela) não porque é deslumbrada com a fama, mas motivada por sentimentos verdadeiros. O realizador define o amor de Magal como obsessivo, à primeira vista, do tipo que não se pode esquecer ou substituir. Assim, reforça a sua abordagem romântica, algo manifestado nos olhares abobalhados de paixão que Magal direciona à sua querida. Aliás, Filipe Bragança é bem-sucedido no papel justamente porque há um privilégio desse sentimento doce e terno. O jovem ator não performa tão bem quando os números musicais pedem sensualidade. Com semblante jovial, Filipe não convence tanto como homem de sex appeal transbordante, uma das garantias de êxito diante do público. Levando em conta o tom predominantemente romântico de Meu Sangue Ferve por Você, Filipe é uma escolha acertada, precisamente por conta da capacidade de mostrar sinceridade quando a câmera de Paulo Machline espera de Magal exatamente esse lado sensível pouco explorado publicamente.

Outro ponto positivo é que nessa história de Cinderela ao menos Magali não é construída como uma heroína submissa, alguém que simplesmente cai de amores pelo príncipe. Porém, mesmo que seja citada um par de vezes como garota avessa à rivalidade entre mulheres, jovem intrépida que vai contra a autoridade materna muitas vezes, ela tampouco é caracterizada por algo que comprometa a sua vocação para mocinha de conto de fadas. O romantismo tantas vezes citado neste texto é a diretriz que baliza diversas escolhas estéticas e narrativas, entre elas as cenas musicais, mas também vira uma camisa de força impedindo o filme de pretender além da construção da bonita história de amor que venceu as probabilidades contrárias. Ao idealizar completamente os cenários emocional, afetivo e até mesmo social, Paulo Machline obscurece a vontade emancipatória de Magali, a conexão chacoalhada entre ela e a prima, a resiliência diante dos apelos arrependidos do ex-namorado cafajeste e, olhando para o lado de Magal, a relação que o astro tem com seu empresário Jean Pierre (Caco Ciocler). Esse manager é desenhado como caricatura de mentor que ora está escrevendo certo por linhas tortas a fim de salvaguardar o cliente, ora claramente advogando em causa própria para não perder privilégios. Então, tudo o que diverge minimamente do amor entre Magal e Magali acaba sendo superficial e contextual.

Meu Sangue Ferve por Você tem lampejos de coragem, sendo os principais deles os números musicais. Filipe Bragança canta e dança bem os grandes sucessos de Sidney Magal, mas Magali também ganha espaço para se expressar cantando e dançando, assim como Jean Pierre num dos momentos mais divertidos do longa-metragem. Nesses trechos podemos nos perguntar: por que não radicalizar de vez e fazer da produção inteiramente musical, sobretudo porque estamos falando de uma persona pública exuberante que rima com espetáculo? Como estão, as cenas musicais são interlúdios, nunca ganhando o espaço e o tempo suficientes para sobressair ou mesmo expandir o tom fabuloso dessa crônica cheia de invenção que reivindica desde cedo a sua segura distância da realidade. Alguns problemas complexos, cujo aparecimento é bastante protocolar, são resolvidos providencialmente, como a tensão ocasionada pela chegada de Tereza (Julia Konrad), a namorada não assumida publicamente por Magal. Outro ponto que merece observação é a visão burocrática da multiculturalidade da capital baiana, cidade pouco explorada como moldura singular para esse amor que surge de maneira inusitada. Ainda sobre destaques do elenco podemos citar Sidney Santiago como o tio compreensivo de Magali e a infelizmente subaproveitada Emanuelle Araújo interpretando a mãe linha dura dessa futura esposa de Magal.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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