Crítica
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Sinopse
Tito é um garoto que sonha em se tornar um grande jogador de futebol. Aos 13 anos, chama a atenção de um olheiro e consegue fechar um contrato milionário. Do dia para a noite, tira a sua família da pobreza e começa a assumir as responsabilidades do mundo adulto, mas é só quando as coisas começam a dar errado é que o garoto voltará a encontrar no esporte
Crítica
Exibido na mostra de longas latinos do 46º Festival de Cinema de Gramado, Mi Mundial era o representante uruguaio da seleção. País de dimensões diminutas – territorialmente, é menor do que o Rio Grande do Sul, além de ter a metade da população do estado mais meridional do Brasil – é também visto geralmente com simpatia, seja pela população pacata, a política progressiva ou seus talentosos artistas, como o oscarizado Jorge Drexler ou o quase-brasileiro César Troncoso. No entanto, este filme saiu da Serra Gaúcha com apenas um kikito – o de Melhor Ator, entregue com justiça para Néstor Guzzini. Este reconhecimento reflete acima de tudo uma questão relativa aos demais concorrentes – nenhum dos outros quatro títulos em competição tinha em suas tramas um desempenho masculino marcante. Afinal, por mais que Guzzini esteja muito bem em sua composição, o diretor e roteirista Carlos Andrés Morelli insiste em tratá-lo como coadjuvante na maior parte do tempo – literalmente, jogando contra a sua maior vantagem. E esta visão equivocada, que se reflete também em outros quesitos, termina por prejudicar grande parte do resultado.
Baseado em um sucesso da literatura infantil uruguaia, Mi Mundial foi também um grande êxito de bilheterias no seu país de origem, chegando a vender mais de 50 mil de ingressos. E é fácil entender os motivos para esse fenômeno. Afinal, sua história aborda um sonho muito comum aos jovens do país vizinho – e daqui também, aliás. Tito (o estreante Facundo Campelo) é um garoto que não vai bem nos estudos, tem vergonha de se declarar para a melhor amiga, está sempre metido em confusões em casa, mas tem uma habilidade singular: é genial com uma bola nos pés. É a esperança de gols nos campeonatos infantis, e não demora para chamar a atenção de olheiros. Contratado por um time da capital, é levado para um time de verdade, mudando radicalmente sua vida. As ambições são cada vez maiores – talvez jogar no exterior? – ao mesmo tempo em que seus compromissos anteriores – a família, a namorada, os estudos – vão, gradualmente, sendo deixados para trás. Qual caminho seguir, ainda mais em tão tenra idade?
Acontece que, nestas mudanças, principalmente por ser tão jovem – tem apenas 12 anos – Tito não pode tomar tais decisões, nem enfrentar tamanhas mudanças, sozinho. Assim, com ele vão seus pais e irmãos. E ao mesmo tempo em que a mãe (Verónica Perrotta, com poucas oportunidades) prefere ver o copo “meio cheio”, o pai (Guzzini) demonstra estar, acima de tudo, preocupado com o filho. Por um lado, ela como dona de casa e ele como segurança de fábrica nunca teriam condições de oferecer às suas crianças aquele estilo de vida que o menino, nem mesmo adolescente ainda, já está tendo acesso – não só para ele, mas também para os seus. Um bom apartamento, diante de uma casinha no meio de nada, faz qualquer um colocar suas convicções em cheque. Mas é mais do que isso. Há também o plano de saúde, novas escolas, um mundo inédito e atraente que se abre. Mas e o garoto, como está lidando com tudo isso? Até que ponto o que consegue fazer com os pés lhe dará os instrumentos necessários para enfrentar esse peso que agora está sobre suas costas?
É neste ponto em que o papel do pai se faz válido. Guzzini, que havia demonstrado ser um ator capaz de incorporar uma diversidade de emoções frente a colegas bem mais jovens e inexperientes no emocionante Tanta Água (2013), aqui volta a vestir esse manto, num desafio que só não é maior, como já dito, pela estrutura narrativa que o filme de Morelli opta por seguir. Até a metade da trama, por exemplo, sua participação é maior – afinal, faz parte do drama do garoto demonstrar a vida que levava, muito em parte por causa do que lhe era oferecido pela família. A presença deste homem, que serve como um grilo falante ao lado do filho, uma consciência atenta em apontar os contras de cada decisão, o que se abre mão ao tomar um único caminho, é fundamental para mostrar ao esportista que está nascendo em sua própria casa que há muito o que se pesar em cada uma destas escolhas. As desavenças entre os dois, como era de se esperar, vão ficando cada vez mais frequentes. Algo que, aliado a uma rebeldia natural do pequeno, poderá colocar tudo a perder. Não só um futuro possível, mas também uma relação de pai e filho que merece ser igualmente preservada.
Mi Mundial é um bom filme sobre futebol – um tema que raramente é explorado com competência nas telas – e uma obra que, dentro de uma cinematografia tão escassa – são feitas não mais do que dez longas por ano no Uruguai – merece, sim, ter seus méritos valorizados. No entanto, é um conjunto que, para usarmos termos desse ambiente, joga para o público, e não vislumbra aspirações artísticas maiores. Suas soluções são, invariavelmente, simplistas, e até mesmo nomes de maior prestígio – como o citado César Troncoso – terminam por não serem aproveitados a contento. É uma legítima ‘sessão da tarde’, indicado para um público em formação, ainda com um nível de exigência não dos mais altos, mas que também busca ser confrontado com elementos que dialoguem com sua realidade. Muito disso está em cena. Mas há tanto mais que poderia ser abordado, questões que até são vislumbradas, porém nunca aprofundadas na medida que mereciam. É um começo. Mas longe de ser o fim da jornada.
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