Michael Kohlhaas: Justiça e Honra
Crítica
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Sinopse
No século XVI, na região de Cévennes, no centro-sul da França, vive o vendedor de cavalos Michael Kohlhaas. Ele tem uma vida tranquila e próspera, até sofrer uma grande injustiça de um nobre poderoso. Michael, homem religioso e íntegro, não vai medir esforços para conquistar novamente sua honra, mesmo que seja preciso iniciar uma guerra por todo o país.
Crítica
O que fazer quando todas as leis, dos homens e dos deuses, estão contra você, por mais que a injustiça seja tão absurda a ponto de que lhe falte pés para se manter diante tais acontecimentos? Muitos seguem baixando a cabeça e esperando pelo próximo evento, oferecendo a outra face tal qual foi ordenado. Mas vez que outra a história da humanidade registra episódios isolados que destacam aqueles que não mais aguentaram tais condições e decidiram se erguer, prontos e de peito aberto para as piores consequências. Michael Kohlhaas é o registro de um destes que se tornaram célebres com o passar dos tempos simplesmente por fazer o que acreditava ser certo, ainda que todas as probabilidades estivessem contra si e os seus.
Baseado no romance homônimo escrito no início do século XIX por Heinrich von Kleist, Michael Kohlhaas: Justiça e Honra é inspirado na trajetória e nos atos de Hans Kohlhase, um comerciante de cavalos próspero e bem colocado na sociedade alemã do século XVI que, uma vez vítima de um abuso de autoridade por parte de um barão local, decide ir atrás dos seus direitos. Menosprezado pelas autoridades em suas queixas – reflexo do nobre prevalecido junto aos governantes – ele parte para a luta armada, não sem antes ter sofrido um novo revés: a morte da própria esposa, que também estava engajada ao seu lado na busca por justiça. Sem condições de se manter inerte, a ação prática lhe parece ser a única opção. E esta acaba gerando um manifesto de revoltos que veem na sua causa algo conjunto, e em grupo partem desafiando qualquer um que a eles se oponham.
Se o que vemos a partir desse reverso da fortuna é a humilhação progressiva dos que estavam habituados a apenas ostentar sem consideração nem simpatia, outra força logo irá se impor. É a Religião, expressa através de um pastor protestante decidido a colocar em prática a vontade divina, porém unilateral: apenas os insatisfeitos devem se ater à ela, ignorando a necessidade óbvia da igualdade, que levaria a realeza a ter que seguir os mesmos parâmetros. São em momentos como os propostos nestes dois tipos de confrontos que o diretor Arnaud des Pallières mostra a sua originalidade: ao invés de estouros, gritos e exageros, a violência dos ataques se dá através de um silêncio quase absoluto – afinal, as imagens são, por si só, tão fortes que não precisam de nenhum outro apoio para se valerem aos olhos do espectador. Da mesma forma, o diálogo que se estabelece entre Kohlhaas e o teólogo possui passagens de duplo sentido, e ao invés de apontarem para um embate sem ganho para nenhum dos lados, termina por resultar numa troca que só será interrompida quando a cegueira ideológica e a falta de raciocínio tomarem seu espaço.
Michael Kohlhaas: Justiça e Honra é um épico dos perdedores, e sua importância histórica é ainda mais relevante em dias como os de hoje, em que o segregacionismo e a dualidade nas discussões parecem ser uma verdade quase irresoluta. Defendido com total entrega por Mads Mikkelsen, um ator que tem surpreendido a cada nova escolha, o protagonista é o símbolo de uma era que deveria ter ficado para atrás, mas que infelizmente permanece atual e contemporânea. Belissimamente fotografado em cenários deslumbrantes, este é um filme que não se acaba apenas em si, estimulando a reflexão em um debate que deverá permanecer após o término da sessão. E se é certo que obras assim são raras, melhor ainda é reconhecê-las e aproveitá-las por inteiro.
Excelente o filme. Tanto pelo roteiro quanto pela mensagem reflexiva que deixa. Pela honra e pela injustiça imposta, o agredido perde sua mulher e deixa orfã sua filha. Mas a pergunta que fica é a justiça foi feita? Quem foi o maior responsável pela tragédia? O agressor? O agredido? Ou o representante da Justiça que fugiu de suas funções de ofício? Ou toda a sociedade atemporal que utilizam de ferramentas de influência que suprimem os direitos individuais. Enfim, excelente filme.