Migliaccio: O Brasileiro em Cena
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Alexandre Rocha, Marcelo Pedrazzi, Tuco
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2021
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Brasil
Crítica
Leitores
Sinopse
A trajetória de um artista inquieto, de alguém que atravessou períodos difíceis da história brasileira sempre levando à cena personagens que representaram a força do homem comum.
Crítica
Não é uma tarefa simples condensar 80 anos de vida/obra de alguém como Flávio Migliaccio em pouco mais de 80 minutos. O fator complicador está não apenas na riqueza do tema, mas nos vários recortes que podem ser feitos dessa trajetória repleta de pontos de interesse. Os cineastas Alexandre Rocha, Marcelo Pedrazzi e Tuco optam por um caminho relativamente seguro com duas vias convergentes. A primeira delas diz respeito à natureza sintético-elucidativa, ou seja, o documentário se presta a ser principalmente um resumo ilustrado. O segundo tange à submissão à "voz" do protagonista. Isto é materializado na forma de atribuir ao artista a primazia de contar a própria história. Migliaccio: O Brasileiro em Cena ensaia fazer algo essencialmente pessoal tendo como linha mestra a peça teatral Confissões de um Senhor de Idade, na qual Migliaccio interage com um Deus que o ajuda a passar a limpo desde a infância até as particularidades da velhice. O diálogo com o espetáculo se dá fortemente na primeira metade do filme, vide causos contados sendo reiterados pela encenação de modo esquemático. Nesse jogo cênico sequer é sublinhada a vida como suprassumo da criação artística. Aliás, a trinca de realizadores se detém em condensar, mas sem discutir ou se “intrometer” no resumo. Por certo escolhe as coisas que aparecem, como elas são vistas e a ordenação. Mas, pouco propõe.
Migliaccio: O Brasileiro em Cena coleciona vários momentos em que Flavio Migliaccio relata sua experiência como pessoa e artista, oferecendo ao espectador um percurso retilíneo e obediente à cronologia. Assim sendo, no começo remonta aos anos de infância do menino pobre numa família numerosa, resgatando da memória passagens como a da mãe improvisando para os filhos se expressarem à plateia de vizinhos. Imediatamente, a montagem reitera isso ao mostrar o pedaço de Confissões de um Senhor de Idade em que Migliaccio diz a mesma coisa, mas tendo como pano de fundo a fotografia dos pais e irmãos projetada no lençol que faz parte do cenário. Em inúmeros instantes semelhantes do documentário as informações são repetidas, como se fosse necessário reafirmar coisas simples de serem assimiladas. Além disso, em vez de observar as entrelinhas, de tentar extrair dos monólogos do protagonista algo que inicialmente possa escapar, os realizadores parecem hipnotizados demais para fugir de um script cuja prerrogativa é a informação. O resultado é um acúmulo de bons episódios, além do acesso privilegiado (embora restrito) à intimidade de um dos principais artistas do teatro, da televisão e do cinema brasileiros. O filme é mais acumulativo que curioso, satisfeito com o que recebe e pode concentrar, menos disposto a chafurdar nas nuances, sutilezas ou até a grifar incoerências.
Em certa passagem do filme, Flavio Migliaccio conta que resolveu se isolar numa ilha praticamente deserta para fugir do assédio dos fãs. Então estava na televisão com a série Shazan e Xerife & Cia (1972-1974), fazendo um sucesso danado ao lado do companheiro Paulo José. Migliaccio revela que repentinamente foi tomado pela sensação estranha de desejar ser novamente reconhecido, chegando ao cúmulo de exibir-se aos poucos presentes naquele lugar ermo para ver se alguém o identificava. É um recorte precioso que poderia ser utilizado para salientar a ambiguidade do sucesso, quiçá percebendo o seu potencial de embriaguez, uma vez que causa simultaneamente prejuízo ao “corpo”, mas também pode gerar dependência. No entanto, Alexandre Rocha, Marcelo Pedrazzi e Tuco preferem reduzir a força dessa aparente contradição humana, sequer trazendo o tópico à tona de volta quando Migliaccio fala que prefere ficar isolado em seu sítio. Os cineastas também evitam abrir o escopo do documentário para mostrar o artista como uma testemunha privilegiada de ciclos político-sociais conturbados no Brasil. Membro do revolucionário Teatro de Arena, nome recorrente nos créditos do não menos vanguardista Cinema Novo sessentista, o protagonista descreve a partir de seu ponto de vista dores e delícias de um criador nesses períodos de repressão. Porém, apenas como outro tijolinho comum.
Ainda a respeito dessa ligação da arte de Flavio Migliaccio com a ebulição política que atravessava os modus operandi do Teatro de Arena e do Cinema Novo, o filme não demonstra interesse pelo posicionamento do homem que frequentemente representou como nenhum outro o brasileiro profundo. Ao citar a Ditadura Civil-Militar que subjugou o Brasil por mais de 20 anos, ele se refere ao período como “revolução”. Nessa toada, adiante faz alusão à luta armada como “terrorismo”. Essas expressões integram frequentemente o vocabulário dos que entendem a ascensão dos militares como um tempo de avanço da nação. Seria Migliaccio alguém de posições menos progressistas na velhice? Como Alexandre Rocha, Marcelo Pedrazzi e Tuco evitam confrontar o personagem ou esclarecer isso durante os depoimentos ou mesmo no processo de montar o filme, o estranhamento/dúvida sobra como um ruído incômodo. Contudo, essa falta de um posicionamento é bastante coerente aqui, haja vista que Migliaccio: O Brasileiro em Cena não almejar refletir a partir do que Migliaccio diz e viveu, contentando-se em ser um veículo para aglomerar informações, histórias peculiares, desabafos (alguns muito bonitos), nem que para isso seja preciso sacrificar a complexidade. O resultado vale pelo contato próximo com essa figura que se tornou cara aos brasileiros ao longo dos anos. Já como cinema, deixa a desejar.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 5 |
Alysson Oliveira | 7 |
MÉDIA | 6 |
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