Crítica
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Crítica
O nome de Mike Wallace talvez não seja imediatamente identificável fora dos Estados Unidos, contudo, para o público norte-americano em geral, entre admiradores e detratores, o apresentador controverso, reconhecido como um pilar do jornalismo investigativo e como entrevistador singular – por seu estilo implacável e mordaz – permanece até hoje como uma das figuras mais emblemáticas da história da TV no país, o rosto do programa 60 Minutes, da rede CBS, durante quase quatro décadas. Em Mike Wallace Está Aqui, o cineasta israelense Avi Belkin apresenta um retrato do jornalista se utilizando apenas de materiais de arquivo – reportagens e entrevistas realizadas e concedidas por Wallace ao longo de sua carreira, além de alguns outros enxertos imagéticos – que ilustram seu legado profissional, bem como revelam aspectos de seu caráter e intimidade.
Tendo essa extensa fonte de matéria-prima, o montador Billy McMillin realiza um trabalho minucioso, imprimindo um ritmo equilibrado e envolvente ao documentário, que evoca a atmosfera dos thrillers políticos dos anos 70. Tal característica não apenas condiz com o cerne do trabalho de Wallace, sempre embebido do contexto sociopolítico, mas também com o cenário atual, tempos de fake news, pós-verdades, da era Trump – que aparece em trecho de entrevista realizada nos anos 80, afirmando não ter intenção de se envolver com a política – onde o papel da imprensa é duramente questionado e os veículos de comunicação são encarados como inimigos, agentes conspiratórios, pelos governantes. Dentro desse panorama, Belkin parece investir num resgate do que seriam os valores essenciais da imprensa, como a busca isenta e sem medidas pela verdade, algo que Wallace sempre afirmou defender e que moldou sua persona jornalística, e a aura criada em torno da mesma: o provocador ferino, temido, muitas vezes desagradável em sua missão de extrair tal verdade.
Assim, Belkin refaz a trajetória do protagonista desde o início no rádio, passando pela transição para a TV, primeiramente atuando em comerciais e seriados para depois emplacar seu primeiro programa de cunho jornalístico, no formato de entrevistas “cara a cara”, o Night Beat, até sua chegada à CBS e a criação do 60 Minutes, com o conceito de revista televisiva, em 1968. Foi justamente no programa que expandiu sua atuação, como correspondente internacional e com matérias investigavas – afirmando ter como principal diferencial a pesquisa profunda e detalhada realizada sobre cada tema para encontrar seus pontos nevrálgicos – e também onde realizou entrevistas que se tornariam antológicas, com personalidades das mais diversas áreas – o que proporciona um verdadeiro desfile de celebridades hollywoodianas, como Bette Davis e Kirk Douglas, e artistas como Salvador Dalí.
Porém, assim como Wallace, Belkin dedica um tempo maior aos embates com personalidades políticas – Martin Luther King, Malcolm X, Richard Nixon – pontuando momentos fundamentais não apenas da história dos Estados Unidos, como a luta pelos direitos civis, a Guerra do Vietnã e o caso Watergate, mas também por todo o mundo, através de entrevistas com figuras como Manuel Noriega, o Aiatolá Khomeini – esta realizada em plena crise dos reféns da embaixada norte-americana no Irã – e, mais recentemente, com Vladimir Putin. Se a veia jornalística se mantém sempre pulsante, o retrato humano também é explorado, revelando a faceta mais pessoal do apresentador, com o intuito de transcender a “máscara” do personagem Mike Wallace, cuja postura dura e cínica encobria um homem inseguro sobre sua aparência e talento, marcado por tragédias como a morte do primeiro filho e a luta contra a depressão.
Ainda que de modo geral esse retrato seja favorável a Wallace – ocultando tópicos polêmicos como sua notória conduta sexual inapropriada perante as colegas de trabalho – Belkin não deixa de expor traços menos simpáticos da personalidade de seu biografado – o temperamento explosivo, por vezes arrogante, a figura paterna ausente. Essa tentativa de abordar diferentes ângulos se mostra mais bem resolvida em relação ao elemento jornalístico, pois em diversos momentos o trabalho de Wallace é contestado, tachado como entretenimento sensacionalista, show business, e não como jornalismo, o que abre espaço para debates interessantes sobre limites e ética dentro da profissão. Em meio a tantas controvérsias, o que fica de fato evidente é a influência de Wallace dentro do meio jornalístico, exemplificando a percepção da imprensa como o “Quarto Poder”.
Mike Wallace Está Aqui dá amostras desse poder ao abordar casos como o do processo aberto contra o apresentador e a CBS pelo General William Westmoreland, por conta de uma matéria sobre a Guerra do Vietnã, ou o escândalo envolvendo a indústria tabagista na década de 1990 – que Michael Mann reconstituiria em O Informante (1999). Este caso talvez sintetize o modo como Belkin enxerga o protagonista, transparecendo ao mesmo tempo a contradição – já que, além de fumante, Wallace foi por muito tempo garoto-propaganda dos cigarros Parliament – e a obsessão profissional, colocando a matéria acima de gostos pessoais ou ideologias. A perda gradativa dessa noção positiva acerca do trabalho da imprensa aos olhos da opinião pública emana da sequência final, quando Wallace questiona o dramaturgo Arthur Miller sobre o que estaria escrito em seu epitáfio – “Trabalhou para obter um pequeno momento de verdade”, conclui. Desfecho carregado de melancolia e de certa desesperança em relação a um futuro de desinformação que se projeta sombrio.
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