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Crítica

Juliette Binoche é uma atriz acima de qualquer suspeita. Dona de performances não menos do que espetaculares, chama atenção tanto em projetos considerados mais ‘difíceis’, como Camille Claudel 1915 (2013) e Cópia Fiel (2010), como em outros mais populares, como no blockbuster Godzilla (2014) ou no romântico De Coração Aberto (2012). Sem se direcionar nem a um extremo ou outro, ela é a melhor razão para se assistir a Mil Vezes Boa Noite, uma história familiar – disfarçada de drama de guerra – dirigida pelo norueguês Erik Poppe, que aqui realiza seu trabalho mais reconhecido. Carregando literalmente o filme nas costas, a estrela francesa defende com competência uma personagem sem muitos brilhos, mas interessante o suficiente para justificar a atenção recebida.

Premiado no Amanda Awards (o Oscar da Noruega) nas categorias de Melhor Filme, Fotografia e Trilha Sonora – e indicado ainda à Atriz (Binoche), Atriz Coadjuvante (Lauryn Canny), Direção e Montagem – Mil Vezes Boa Noite começa causando impacto e capturando de imediato o espectador. Rebecca (Binoche) é uma fotógrafa especializada em situações de perigo, principalmente em regiões de conflito ao redor do mundo. Logo nas primeiras cenas, percebemos que ela está no Oriente Médio acompanhando o preparo de uma garota destinada a se tornar uma mulher-bomba. Ou seja, há todo o amparo dos familiares, guias espirituais e responsáveis pela ação que deverá por fim à vida de dezenas de pessoas – a maioria, obviamente, inocentes, vítimas de uma guerra aparentemente sem fim. A repórter está lá com suas lentes registrando cada momento, o passo a passo de uma pessoa decidida a abdicar da própria vida e causar o fim de tantas outras em nome de uma crença maior. Mas nem sempre o lado profissional é forte o suficiente para se impor diante do emocional.

Pois é o que acontece com Rebecca. À caminho do local onde o atentado deveria acontecer, ela se desespera e decide interferir na ação, antecipando a explosão ao mesmo tempo em que se arrisca na tentativa de salvar a vida de tantos outros. As consequências do incidente a levam a reconsiderar sua atividade e seu papel enquanto mulher e mãe de família. Ao voltar para casa, no interior da Inglaterra, encontra um marido distante (Nikolaj Coster-Waldau, sem conseguir estabelecer química com ela) e duas filhas que praticamente não a reconhecem. A vontade de se reintegrar ao âmbito caseiro é forte, porém a leoa que possui dentro de si inevitavelmente terminará por rugir mais alto. E quando isso acontece durante uma visita a uma zona pacificada em plena África em que ela, acompanhada da filha mais velha, se vê diante de um ataque surpresa, a encruzilhada surge, obrigando-a a uma decisão: qual chamado falará mais alto, o da vocação profissional ou do ambiente familiar?

Mil Vezes Boa Noite não possui muita sutileza em suas curvas dramáticas. Isso prejudica um pouco a performance da protagonista, que não encontra terreno propício para desenvolver suas nuances. Uma hora ela quer uma coisa, na seguinte já mudou de ideia. Num momento o marido não pode viver sem ela, no outro não quer mais vê-la por perto. E o mesmo se passa com sua chefe – com quem fala apenas por Skype – filhas e amigos mais próximos. O limite de uma posição mais radical parece querer refletir os cenários pelos quais ela desenvolve sua arte, criando um contraste forte e pouco sutil em relação à volta ao lar. Mesmo assim, é um filme ao qual se assiste sem maiores tropeços, e que deixa claro uma verdade quase incontestável: uma pessoa até pode mudar seu jeito de ser e de viver por algum tempo, mas dificilmente será essa uma mudança para sempre.

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