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Sinopse

Depois do sucesso como apresentadora de TV, Dona Hermínia está de volta, agora com o título de vovó, graças à gravidez de Marcelina. Os problemas e reclamações, marca registrada da matriarca, continuam nesta nova fase de sua vida.

Crítica

Além de estabelecer uma continuação direta com os filmes da franquia Minha Mãe É uma Peça, esta comédia segue igualmente o padrão esperado das continuações de comédias brasileiras. É sempre importante incluir alguma viagem internacional para os personagens mostrarem como não se adequam ao mundo lá fora, é indispensável incluir um casamento no final, é necessário que o número de personagens aumente, apenas para dar à protagonista novas oportunidades de interação. Aqui, como em toda a saga, o universo gira em torno de Dona Hermínia (Paulo Gustavo), a mãe desbocada e coruja. Quando ela passeia na feira, os vendedores falam apenas com ela, mas não com outros fregueses. O lugar é surpreendentemente silencioso, para ouvirmos escutarmos o que ela fala. Quando vai a uma festa para as crianças, é ela quem canta e rouba a cena. Hermínia se torna protagonista de todos os momentos deste filme, mesmo aqueles supostamente dedicados a outros personagens. O mundo existe em função dela.

Deste modo os coadjuvantes, por mais que bem-intencionados, servem para lhe dar a réplica. Os namoros instantâneos do filho e da filha, levando a um casamento e uma gravidez, passam como detalhes: o foco se encontra na resposta que a mãe fornecerá a cada situação. A comédia se move essencialmente pelos diálogos velozes e atropelados da protagonista, em sintoma da nossa percepção caricatural do humor e do drama: interpreta-se o silêncio enquanto exclusividade do drama, enquanto o barulho se torna sinônimo de comicidade. Alguém precisaria resgatar Jacques Tati e Buster Keaton, mas enquanto isso, Hermínia fala sem parar. Felizmente, o que melhor funciona neste terceiro filme são os diálogos – ou talvez seja melhor dizer, monólogos – da heroína. Paulo Gustavo e os demais roteiristas possuem bom senso de cronistas, conseguindo parodiar comportamentos típicos da classe média. Para cada piada forçada, existe alguma boa sacada do texto. O ator, sempre muito confortável no papel principal, dispara suas falas com o traquejo típico do improviso.

O potencial do texto é prejudicado por uma linguagem cinematográfica limitada. Ainda que seja mais bem dirigido que o segundo filme da saga, Minha Mãe É uma Peça 3 sofre dos cacoetes típicos de uma forma de cinema-cenário obcecado pelos cartões postais do Rio de Janeiro (e de Niterói), pelos planos aéreos na transição entre cenas, pela trilha sonora inofensiva dizendo ao espectador quando rir e quando chorar. A atuação e o texto são muito evidentes em sua comicidade ou tristeza, no entanto, num momento de tristeza de Hermínia, a trilha imediatamente indica que este é um instante sombrio, enquanto a câmera acha por bem dar um zoom no rosto lacrimejante da personagem. O resultado não é apenas óbvio, ele também incomoda por considerar o seu espectador pouco inteligente, e incapaz de deduzir sentimentos muito claros como o pesar e o rancor. Em diversas comédias populares nacionais, a música funciona como a tradicional risadinha em pós-produção das sitcoms norte-americanas, do tipo que estimar ser necessário oferecer um manual de instruções ao público.

Questões cinematográficas à parte, o projeto se sai bem ao retratar em chave paródica alguns conflitos complexos como a síndrome do ninho vazio e o medo da morte. Não existe grande sutileza nesses retratos – é difícil acreditar que Hermínia esteja tão velha quanto insiste ser a cada diálogo -, no entanto, eles servem a desmistificar um tabu com leveza, confrontando a mãe à sensação de impotência na vida dos filhos quando estes encontraram outros sujeitos de afeto. Obviamente, o roteiro trata de atar (ou reatar) a protagonista com algum homem, porque ainda não consegue conceber a felicidade de uma mulher solteira de meia-idade sem um possível romance no horizonte. Ainda estamos distantes de uma representação leve e sem julgamentos morais da independência feminina. Entretanto, dentro do cenário conservador da comédia nacional de estúdios – vide a necessidade de reposicionar a mulher no lar em De Pernas pro Ar ou o reforço do ideal de homem provedor em Até que a Sorte nos Separe -, esta franquia ainda representa uma abertura social mais interessante do que a média.

O aspecto mais contestável nesta comédia continua sendo seu discurso enquanto produto queer. O travestimento de Hermínia jamais funciona como representação da transexualidade, afinal, ela interpreta uma mulher cisgênero e heterossexual. No entanto, o filme comandado pelo humorista abertamente gay mais popular do Brasil ainda teima em abraçar as figuras LGBTQI+. O roteiro descobriu a importância de incluir falas progressistas, mas não a sua prática. De nada adianta colocar um personagem gay prestes a se casar se, nas diversas cenas com o namorado/noivo, os dois sequer se abraçam, sem encostam, ou demonstram o mínimo carinho. De nada adianta citar que duas mulheres já beijaram outras mulheres se isso não é visto, e ainda vem acompanhado da explicação de que saem com homens hoje, então não tem problema. Não adianta trazer um discurso belo sobre a aceitação dos nossos filhos gays se o casamento não tem a coragem de mostrar o óbvio, que seria o beijo entre dois homens.

É fácil falar, e isso os personagens fazem, o tempo inteiro, porém este cinema não possui a coragem de desmistificar a homoafetividade. Como pode um simples selinho entre dois rapazes parecer tão arriscado em termos morais e comerciais? Se estes filmes de fato defendem toda forma de amor, como sugere a declaração sentimental dos letreiros finais, então é preciso mostrar que o amor entre dois homens, ou entre duas mulheres, não tem vergonha de se mostrar, de se representar, de ser visto. A desculpa de que “o povo não está pronto para ver dois homens se beijando” não funciona em 2019, e tampouco soa plausível a justificativa de “isso vai encorajar as pessoas a serem gays”, o que primeiro constitui uma falácia em termos psicológicos, e segundo, transparece uma homofobia inaceitável. Não há desculpa para se ocultar a homoafetividade num filme sobre gays, sobre mulheres bissexuais, com uma personagem baseada no travestimento e interpretada por um ator gay, que não passe pelo preconceito e/ou pela autocensura. Está na hora de o cinema popular LGBTQI (ou sobre indivíduos LGBTQI, como preferirem) sair do armário.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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