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Sinopse

Abobrinha é um menino de 10 anos de idade deixado num orfanato após a morte da mãe. Diante de uma nova realidade, ele precisará encontrar amparo em crianças que têm traumas parecidos com o dele.

Crítica

Como determinar a qual público um filme se dirige? Ok, há elementos restritivos, como sexo explícito e violência. Mas quando o que importa não é tanto a trama em si, mas os sentimentos por ela emulados? Muito já se debateu conceitos como esses quando o gênero em questão é a animação. Seriam todos os desenhos animados voltados, exclusivamente, para crianças? Bom, desde que Walt Disney mostrou ao mundo o pioneiro Branca de Neve e os Sete Anões (1937), há exatos 80 anos, essa dúvida vem se dissipando gradualmente. E é neste ponto em que uma obra como Minha Vida de Abobrinha se encaixa. Sua técnica – um tradicional e inventivo stop motion – pode até parecer indicada aos mais pequenos, mas bastam poucos minutos do desenrolar da trama para que esse espectro de audiência se aumente. E, ao seu final, se não temos um conto universal, certamente tem-se a certeza de se estar diante de um longa dotado de sensibilidade ímpar, da qual se exige, mais do que idade, uma maturidade propícia aos eventos investigados. Algo que pode ser alcançado, sem dúvida alguma, em qualquer fase da vida.

Este não é o momento de se dourar a pílula. Sim, pois logo que o filme do diretor Claude Barras começa, nosso protagonista se torna responsável pela morte da própria mãe. Muitos poderão considerar tal tragédia um alívio, ainda mais de acordo com o cenário apresentado – a figura materna era abusiva e desleixada, a ponto de obrigar seu único filho a viver escondido no sótão da casa – mas há mais no desenrolar dos acontecimentos. Tanto que, o que poderia ser o fim, logo revela-se ser o início de uma segunda jornada para o pequeno Abobrinha – a mulher poderia ser terrível com ele, mas era a única de sua vida, e o apelido vegetal ao qual recusa-se a abrir mão é a última lembrança dela que o garoto preserva. Como diz o ditado, mãe só há uma. E, muitas vezes, é melhor uma ruim do que nenhuma.

Felizmente, este não é o caso de Abobrinha. Realocado pelo serviço social, o menino é direcionado a um orfanato. Os demais rejeitados são os típicos que se espera encontrar em lugares assim: o rebelde, o arruaceiro, o introvertido, o glutão, a tímida compulsiva, o brigão. Um é filho de pais viciados em drogas, o outro de ladrões, enquanto que a recém-chegada sofre nas mãos da tia interesseira. Tais descrições são suficientes para deixar claro o quão longe estamos do universo Disney. Mas vamos além, e uma vez no centro da Europa – esta é uma coprodução entre a Suíça e a França – problemas pontuais também são levantados. Há a menina cuja mãe, uma imigrante ilegal, foi deportada enquanto ela estava na escola. Sem falar no garoto filho de pais muçulmanos que precisam viver às escondidas. O mundo, aqui, pode ser infantil, mas seus problemas são bem adultos.

Minha Vida de Abobrinha é baseado no romance Autobiografia de uma Abobrinha, de Gilles Paris, que já havia sido adaptado em um telefilme de 2008 estrelado por atores de verdade. A opção pela animação de massinha, além de aproximar o espectador de questões que não são tão recorrentes neste tipo de formato, também serviu para abrir espaço mais para o que se debate e menos para performances ou elucubrações visuais. Para isso, também se revela fundamental o roteiro escrito por Céline Sciamma, cineasta reconhecida por títulos provocativos e arrebatadores como Tomboy (2011) e Garotas (2014). E ainda que o meio feminino que lhe é tão caro não tenha sido abandonado por completo, o fato de assumir um menino como ponto de vista oferece um frescor primordial, principalmente por ele ser cercado por mulheres – a mãe, a diretora, a melhor amiga, a paixão juvenil – e dono de uma sensibilidade que não corresponde ao estereótipo masculino.

Torce-se muito por um final feliz para Abobrinha e cada um dos seus amigos. Difícil, no entanto, é saber qual destino representaria esse sonho acalentado. Todos almejam uma família, mas já não seriam eles próprios uma nova formação familiar, ligados mais por suas mazelas do que por seus laços sanguíneos? Sem deixar o humor de lado (“ninguém aqui gosta de policiais”) e corajoso o suficiente para encarar de frente as situações mais complicadas e potencialmente polêmicas, Minha Vida de Abobrinha é um verdadeiro achado. Tanto que foi escolhido pela Suíça para representar o país na disputa por uma indicação na categoria de Melhor Filme Estrangeiro e terminou conquistando uma vaga entre os finalistas de Melhor Longa de Animação. Provavelmente não irá ganhar, nem se a disputa fosse a outra. É preciso estar com os olhos bem abertos para enxergar tudo que aqui é apresentado. E num momento em que muitos insistem em fechar os olhos, nada como um novo fôlego para seguir em frente. Mesmo que esse venha no formato mais insuspeito.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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