Crítica
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Sinopse
Verão de 1890. No Condado de Fermanagh, Julie, a instável filha de um aristocrata anglo-irlandês inicia com John, um empregado de seu pai, um perigoso jogo de sedução. Eles flertam desafiando psicologicamente um ao outro. Kathleen, a cozinheira, testemunha a relação entre os amantes, colocando em risco o segredo.
Crítica
Levada às telas pela primeira vez em um curta-metragem datado de 1912 – mesmo ano da morte do autor, o poeta sueco August Strindberg – a peça Senhorita Júlia teve, nas décadas posteriores, dezenas de adaptações para o cinema no mundo todo, inclusive no Brasil (Noite de São João, 2003). Mas se por aqui tivemos que nos contentar com Fernanda Rodrigues como a personagem-título, Marcelo Serrado e Dira Paes (os dois últimos premiados com os kikitos de Melhor Ator e de Melhor Atriz Coadjuvante no Festival de Gramado) à frente do elenco, agora chegou a vez de um trio bem mais estrelado assumir os mesmos papéis: Jessica Chastain, Colin Farrell e Samantha Morton, que vivem os protagonistas de Miss Julie, a mais recente transposição deste texto para o cinema, que conta ainda com a assinatura prestigiosa da icônica Liv Ullmann na direção.
Ullmann, atriz-fetiche de Ingmar Bergman, duas vezes indicada ao Oscar e premiada por toda a Europa, há mais de uma década não se aventurava como realizadora – seu último trabalho nesta seara havia sido Infiel (2000), baseado em um roteiro escrito por Bergman. A escassa experiência nesta atividade – este é o seu sexto longa, incluindo um telefilme e um documentário – são compensadas, em Miss Julie, pela sua larga experiência enquanto intérprete. Sim, pois este é um filme de e para atores. E quem sabe admirar atuações muito acima da média com espaço suficiente para seus desenvolvimentos e desdobramentos, encontrará aqui um exemplar de raro valor.
Para quem desconhece a trama básica, segue um resumo rápido: Julie (Chastain) é a filha mimada do barão, que na véspera do baile se declara apaixonada por um empregado da casa (Farrell) e decidida a tomá-lo para si, a despeito do fato dele ser noivo da cozinheira (Morton). Enquanto outros filmes já investiram na ambientação, em explorar o contexto e os cenários, nas dinâmicas das relações entre patrões e empregados – algo muito em voga desde o sucesso do seriado Downtow Abbey (2010-) – e nas repercussões destas ligações, Ullmann opta por se focar apenas na trinca já citada de atores – ninguém mais aparece em cena, e pouco se vê da mansão, tanto internamente quanto do lado de fora. Na maior parte do tempo estamos na cozinha, com algumas visitas esporádicas aos quartos, aos jardins e um ou outro corredor. O que importa, portanto, são os personagens, e cabem a eles revelarem e justificarem suas motivações.
É difícil apontar qual dos três está melhor. Jessica Chastain (duas vezes indicada ao Oscar) é um verdadeiro furacão, revelando níveis de profundidade insuspeitos e mostrando de vez porque é considerada uma das melhores de sua geração. O que parece ser apenas anseios de uma garota entediada aos poucos se demonstram necessidades vitais, e uma vez tomadas determinadas decisões ela não terá para onde ir senão em frente. E o amor que sente é tão forte quanto o ódio que aos poucos vai expelindo, mostrando todas as suas contradições e infelicidades. Colin Farrell (vencedor de um Globo de Ouro) é pura brutalidade e desejo, mas também consegue transparecer nos momentos apropriados a dor que carrega consigo. Humilhação e revolta fazem parte do seu ser, e quando lhe é oferecida a oportunidade de expurgá-las, será difícil voltar atrás. Samantha Morton (duas vezes indicada ao Oscar) é a com menos tempo em cena, mas nas poucas participações que lhe são reservadas ela consegue muito, baseando-se nos pequenos gestos, na força do olhar e na determinação com que defende sua resignação e indignação.
Miss Julie não é um filme para qualquer tipo de público, e os nomes famosos no cartaz poderão enganar um ou outro desavisado. Pois, mais do que um filme de Chastain ou de Farrell, este é um trabalho de Liv Ullmann, que consegue, sem muitas concessões, fazer deste um tratado sobre as relações humanas, independente da época ou do ambiente em que estão inseridas. Os monólogos são contínuos e intensos, e a cada momento uma nova verdade é absorvida, numa mudança de paradigmas da qual não se tem descanso. Com atores completamente entregues, ela alcança um longa de letras maiúsculas, dono de uma força que não só se revela contemporânea, como também pertinente em seu discurso e consequências. Afinal, por mais dolorido que possa ser, a verdade é uma só, e certas coisas simplesmente não podem ser desfeitas, independente da vontade ou do tamanho do arrependimento.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 8 |
Marcelo Müller | 9 |
MÉDIA | 8.5 |
Amor e ódio podem estar juntos, diz Lacan. Vide Seminário 20, Mais ainda. Além disto, a luta de classes perpassando a vida humana.
Ótima crítica! Este filme nos mostra como as relações humanas são complexas! Abraços!