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Crítica


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Sinopse

Designado para cuidar de Rita, Miguel é um anjo da guarda desajeitado e sem muita vocação. Intimado por Deus em pessoa, ele precisa ir à Terra para consertar as coisas e garantir que a jovem encontre o amor de sua vida.

Crítica

O anjo apaixonado pela protegida humana não é uma premissa nova. Asas do Desejo (1987) e Cidade dos Anjos (1998), remake norte-americano do filme de Wim Wenders, traziam em seu núcleo dilemas entre vida celestial e amores mortais. Em Missão Cupido, esse não é necessariamente o mote, embora logo fique claro que as coisas caminham a ele. O problema não está na falta de “originalidade”, mas na concepção e execução das desventuras que envolvem humanos e seres de luz/treva. Miguel (Lucas Salles) morre e se transforma num servidor etéreo indisciplinado. Pelo menos, isso de acordo com os interlocutores no futuro, pois o cineasta Rodrigo Bittencourt não está disposto a mostrar como foi esse trajeto errático pós-morte até a chegada de uma encruzilhada estranha. Depois da elipse que suprime 25 anos, voltamos a ter contato com ele quando sua segurada, Rita (Isabella Santoni), não consegue estabelecer vínculos afetivos, regularmente vociferando contra homens e engajamentos amorosos. Tudo seria fruto de uma praga de seu salvador alado, mas até isso perde importância diante do afobamento. Ocasiões são acumuladas sem uma densidade para consolidar as coisas.

Missão Cupido pretere qualquer desenvolvimento psicológico/sentimental numa coleção de vinhetas mal enjambradas. A estrutura depõe contra a noção de conjunto. As fragilidades começam no protagonista, sujeito bonachão e histriônico que sequer consegue ser o tipo de personagem inicialmente enervante que gradativamente ganha matizes e passa a ser simpático. Lucas Salles constrói o querubim tolo e atrapalhado como alguém afeito a piadas sem graça e a fugir infantilmente das responsabilidades, investindo num contorno fanfarrão que se mostra cansativo. Incumbido de “consertar” Rita e garantir que ela encontre um grande amor, ele pensa somente em fazer algo meia boca e continuar a eternidade. No entanto, as estripulias de Miguel geram situações embaraçosas, vide os equívocos, as atrapalhações e a relação bem manjada com a humana. Aliás, embora pontualmente as pessoas falem sobre “empoderamento” e a necessidade de entender “a mulher moderna”, o longa sustenta a noção tradicional do destino romântico/amoroso, entre outras convenções utilizadas. Apesar dos enunciados supostamente progressistas, o amor idealizado tudo vence.

Numa cena, a jovem infeliz (?) fala que não depende de ninguém, mas na essência é enxergada pelo filme como alguém fraturada que não se permite amar. Ou seja, carece da “cura” para ser recolocada nos trilhos “naturais”. A rival de Miguel é a Morte (Agatha Moreira). O gênero da entidade carrega uma reafirmação do que as formulações verbais pretensamente tentam combater. Rita se mostra aberta a relacionamentos sexuais/fugazes homossexuais, mas o antagonismo entre o homem (o anjo, o bem) e a mulher (o fim, o mal) deixa implícito que a felicidade está em abraçar esse amor masculino que a disputa com uma pretendente feminina. Para colocar o efeito colateral reacionário em xeque, não basta apresentar a jovem aceitando selecionar candidatas ao seu coração disponível, pois não há equilíbrio entre a disposição superficial e o risco profundo. Claro que a Morte é ruim por ser a Morte, mas Rodrigo Bittencourt enfatiza automaticamente a heteronormatividade como caminho à felicidade. É sintomático que os discursos e as práticas se contradigam.

Missão Cupido é uma consecução de esquetes sem intensidade. O roteiro a cargo de Rodrigo Bittencourt, André Pellegrino e João Santanna esgota rapidamente ideias. Exemplo disso, o Deus egóico vivido por Rafael Infante e o supervisor angelical de Victor Lamoglia, cujo vocabulário ultrapassado é utilizado mais como bordão, não ao ponto de singularizar o personagem. Outro problema é a mera recorrência aos lugares-comuns da interação ficcional entre humanos e anjos, tais como o indivíduo aparentemente conversando com ninguém, dada a invisibilidade do guardião às demais pessoas do meio. São partículas que não engrenam, assim como a existência da amiga desesperada para arranjar um homem. O que ela acrescenta ao todo, uma vez que nem serve direito de contraponto às concepções da protagonista? Rita é trabalhada estritamente como um apêndice da jornada (trôpega) de aprendizado de Miguel. O saldo é uma comédia romântica desajeitada, que demora a encontrar seu tom em meio à necessidade autoimposta de enfileirar piadas (sem graça). A agitação é desagregadora, empalidece os personagens e desvaloriza até bem-vindas passagens animadas.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
3
Alysson Oliveira
1
MÉDIA
2

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