Crítica
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Sinopse
Quando uma expedição ao planeta Marte é súbita e misteriosamente interrompida após os participantes relatarem ter achado uma estrutura não identificada, uma segunda equipe é enviada para fazer o resgate e descobrir do que se tratava a descoberta.
Crítica
Ultrapassando três décadas de carreira, Brian De Palma chegava aos anos 2000 tendo trabalhado os mais diversos gêneros. Ainda que o suspense fosse o filão mais recorrente em sua filmografia, o cineasta já havia realizado de comédias a filme de guerra, do terror ao filme de gângster, deixando poucos terrenos a serem desbravados, sendo um deles o da ficção científica. Para sua estreia neste universo, De Palma escolheu uma temática bastante em voga na virada do século, a viagem a Marte, abordada em filmes como Planeta Vermelho (2000) ou ainda Fantasmas de Marte (2001), de John Carpenter.
O ponto de partida da trama é simples: no ano de 2020, a primeira missão tripulada é enviada a Marte. Uma misteriosa tempestade coloca em risco a vida dos astronautas, e uma equipe de resgate parte na busca por sobreviventes. Mas, como de costume na obra do cineasta, as aparências enganam, e a viagem de resgate acaba se transformando em uma jornada existencial sobre a origem da vida. O jogo de ilusões característico de De Palma está presente logo em seu primeiro plano, quando o que acreditamos ser o lançamento de um foguete real se revela apenas como uma queima de fogos de artifício na festa de despedida dos astronautas, antes do embarque para Marte.
A partir deste seu primeiro truque, De Palma emenda um longo plano-sequência de abertura, outra de suas marcas registradas, para apresentar de forma direta e eficaz todos os seus personagens principais, além da dinâmica do grupo: Jim McConnell (Gary Sinise), o piloto que treinava há dois anos para a missão ao lado de sua esposa, Maggie (Kim Delaney), mas que foi afastado por problemas emocionais após a morte da companheira. Luke (Don Cheadle) o piloto substituto que assume o lugar de Jim, o casal de amigos Woody (Tim Robbins) e Terri (Connie Nielsen), e o jovem cientista Phil (Jerry O’Connell). Nesta única sequência passada em solo terrestre, o cineasta aproveita para delinear os traços essenciais da personalidade de cada um e seus laços com a vida na Terra, que influenciarão em seu futuro fora do planeta.
Uma vez no espaço, e com a ausência da gravidade, De Palma encontra um ambiente perfeito para a movimentação elegante e sofisticada de sua câmera, gerando momentos de grande poesia visual, como um novo e elaborado plano-sequência que termina com Woody e Terri dançando ao som de Dance The Night Away, do Van Halen. As imagens em Missão: Marte fluem em um ritmo cadenciado que De Palma utiliza também na criação das cenas de tensão, como aquela em que os quatro tripulantes da equipe de resgate tentam alcançar o módulo reserva para o pouso em Marte. A aparente lentidão dos movimentos em pleno infinito espacial faz com que o suspense seja crescente, sempre reforçado pela trilha sonora enigmática do mestre Ennio Morricone. Outro belo exemplo de sequência que encanta pela estética é a da assustadora tempestade de pedras, que apresenta a melhor utilização de efeitos digitais do longa e possui uma grandiosidade poucas vezes vista no cinema do diretor.
A partir da chegada da segunda equipe ao planeta vermelho, o longa adentra o campo filosófico e existencial citado no início deste texto. As referências imediatas, e também as inevitáveis comparações, vão ao encontro de obras como 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968) e Solaris (1972). Missão: Marte realmente debate questões metafísicas, tal qual Kubrick e Tarkovsky, e faz citações claras – a misteriosa face que surge no terreno marciano teria uma função similar à do monólito de 2001, por exemplo. Mas, diferentemente de suas fontes de inspiração, De Palma escolhe um caminho menos intelectualizado, que foge dos questionamentos sem resposta e de alegorias muitas vezes impenetráveis. Pois De Palma, assim como Jim e Maggie, tem fé. Não a fé no sentido religioso, mas em seu significado mais amplo, no sentido da crença: o cineasta acredita no poder da fabulação.
“Não tenho mais certeza de nada, mas eu não viajei 150 milhões de quilômetros para não percorrer os últimos 3 metros”, afirma Jim. Frase que reflete exatamente o pensamento do cineasta, que não guia o espectador até seu ato final para deixá-lo sem respostas. De Palma toma a atitude corajosa de fazer aquilo a que a ficção se propõe, imaginar, e cria assim uma mitologia – ainda que incompleta – para dar sua explicação à origem da humanidade. É um grande risco corrido pelo cineasta, pois o mundo já caminhava para uma busca cada vez mais intensa pelo realismo, com a fantasia tendendo a perder espaço gradativamente. Mas De Palma ainda crê nestes valores “antiquados”, na pureza da imaginação, no prazer da ingenuidade, como nas aventuras de Flash Gordon nos anos 30 – representadas pelo pingente passado de Woody para Jim.
É com esse olhar otimista e de encantamento que De Palma encara o cinema, da mesma forma com que os personagens recebem as revelações feitas quando adentram a face misteriosa – como o resumo da evolução da vida, que parece ter servido de inspiração para Terrence Malick em A Árvore da Vida (2011) - mesmo que nesse ponto a queda de qualidade dos efeitos digitais prejudique um pouco a visão do diretor. Talvez a fé de De Palma tenha sido exagerada, ao apostar que o público e a crítica do novo século que se iniciava estariam dispostos a relevar possíveis incorreções científicas, irregularidades de roteiro ou abraçar a suspensão de descrença inerente à sua obra – que já deveria ser encarada com naturalidade a essa altura – para poder embarcar e completar esta viagem fascinante. De qualquer forma, mesmo contra todas as adversidades, o som do coração batendo ao final do longa só prova que a vontade de De Palma por transformar fantasias em imagens permanece viva. Felizmente.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Leonardo Ribeiro | 8 |
Thomas Boeira | 6 |
Chico Fireman | 6 |
Cecilia Barroso | 4 |
Francisco Carbone | 4 |
MÉDIA | 5.6 |
Gostei muito deste filme. Gostei dos atores, torci pelos personagens, me emocionei, amei os efeitos especiais (condizentes com a época), e também gostei muito do final do filme. Não me decepcionei com nada. Recomendo!
Nossa, emocionantérrima fábula-ficção tendo como pano de fundo informações fidedignas sobre Marte, já atuando na visão do diretor de certa fé naquilo que o ser humano é e veio a ser em nossa casa Terra. Ótimos efeitos, maravilhosa trilha grandiloquente, por vezes pontuando todas as cenas que nos perseguem, dando verossimilhança na mensagem que nos leva quadro a quadro à finalização surpreendente neste ótimo longa metragem, com boas atuações. Recomendo verem e prestarem atenção, apesar de ser já um pouquinho antiquado em vista dos novos filmes como Interestelar ou Gravidade.