Crítica
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Sinopse
Em Missão Porto Seguro, Denise é uma policial desajeitada de 30 anos que vive meio à sombra do próprio pai. Ela se infiltra em uma viagem de formatura de colégio em busca de informações que a ajudem a desmantelar uma organização criminosa. Com Giovanna Lancellotti.
Crítica
De acordo com o senso comum, os críticos de cinema não gostam de comédias populares. E isso não é verdade, claro. De toda forma, motivo muitas vezes de discordância entre público e especialistas, esse tipo de filme vem tendo o seu próprio conceito deturpado ao longo do tempo. Para ser considerada “popular” é preciso ser pobre do ponto de vista cinematográfico e conter meia dúzia de participações especiais de subcelebridades bombadas nas redes sociais? Ou seria essencial aos criadores, que muitas vezes duvidam da inteligência do público, colocarem em cena tudo mastigadinho e sem um pingo de complexidade para uma maior fatia da plateia consumir sem questionar? Portanto, chegamos à questão fundamental: para ser popular é fundamental fazer concessões mercadológicas até o resultado ser um amontoado de “já vi esse filme”? Missão Porto Seguro é a nova aposta do Prime Vídeo nesse filão de produções com pouquíssimas ideias e muitas reviravoltas sem graça. Sua protagonista é Denise (Giovanna Lancellotti), policial que coloca uma operação sigilosa em risco por ser afobada e confiar demais no seu instinto. Todo o comportamento dessa personagem vai ser fragilmente justificado pela necessidade de agradar o pai delegado interpretado por Miguel Falabella. A história e até mesmo os eventos poderiam ser os mesmos, mas quanta diferença faria se o filme encarasse essa personagem como gente.
Mas, como assim, o filme não encara Denise como gente? O roteiro assinado por Vitor Brandt, Denis Nielsen, Leandro Soares e Cristiane Wersom a desenha como casca oca. A protagonista de Missão Porto Seguro é construída com base em uma somatória de arquétipos. É a filha desesperada para provar valor ao pai (sendo que essa relação nunca é trabalhada como problema real); é a policial em busca de redenção (sendo que em nenhum momento é ao menos crível que Denise tenha passado por treinamento); é a jovem adulta amorosa, sentimental e sexualmente reprimida (sendo que nessas três esferas vai acabar encontrando soluções fáceis para problemas complexos). Aí o leitor mais incrédulo pode estar pensando: “mas será que é prudente esperar tanto de uma comédia?”. Primeiro, é preciso encarar a comédia como gênero tão nobre quanto qualquer outro, ou seja, passível de nos apresentar coisas horríveis e incríveis. Segundo, nem seria preciso esperar tanta profundidade, haja visto, por exemplo, o que acontece na saga Um Tira da Pesada (para ficar num universo semelhante ao do filme brasileiro). O personagem vivido por Eddie Murphy é de carne e osso, tem personalidade, possui atitudes coerentes com os atributos que formam o seu caráter. Portanto, em meio à investigação policial (mera desculpa para correrias e trapalhadas), é crível que ele faça algumas bobagens e também que seja arrojado, pois isso condiz com a sua postura. Quem dera Denise fosse um pouco assim.
Missão Porto Seguro é um filme feito de esquetes ligeiras. E essas pequenas tramas são repletas de conveniências difíceis de engolir, como quando Denise vai espairecer com o colega depois de ter a atenção chamada pelo pai/chefe, confundida com uma garota menor de idade. Por mais que a atriz tem 31 anos de idade realmente aparente ser bem mais jovem, é preciso suspender bastante a descrença para comprar a ideia (que mais à frente é repetida) para “comprovar” o improvável. Todo o plano envolvendo a personagem principal infiltrada na viagem à Bahia da filha adolescente do bandido é cheio de momentos forçados, alguns até constrangedores – como na cena em que todos jogam “verdade ou consequência” e um plano estapafúrdio para descobrir a senha do cofre acontece sem que ninguém perceba. O cinema comporta os mais enormes disparates e, uma vez que estamos envolvidos, somos capazes até de fazer vista grossa para coisas impossíveis. No entanto, para isso acontecer é preciso exímia habilidade da direção. E definitivamente Cris D'Amato não consegue maquiar as inverossimilhanças, pelo contrário, pois parece fazer questão de enfatiza-las, assim sucessivamente dando tiros no próprio pé. O discurso policial é tão mal aproveitado que sequer dá suporte ao verdadeiro tema do filme: a necessidade de se desvencilhar da influência paterna. Nada importa, pois tudo isso é bastante ligeiro e fútil.
Apropriado à prateleira dos “filmes esquecíveis” dessa fatia recente cinema brasileiro feita a toque de caixa para inflar os catálogos de streamings, Missão Porto Seguro consegue ser moroso em seus menos de 90 minutos. Isso porque o roteiro não coordena bem as pautas pessoais de Denise com a missão policial. Na medida em que a protagonista estreita laços com a picareta vivida pela influenciadora digital Ademara (que tem bons momentos, é preciso dizer), fica cada vez mais desinteressante a missão de encontrar as coordenadas que podem levar à polícia a impedir o contrabando de armas. A falta de traquejo social de Denise somente não é mais artificial do que a guinada providencial no concurso de dança – que salva a infiltrada no último segundo daquilo que parecia ser um fracasso público. E, no último terço da história, do nada são sacados mais dois coadjuvantes trambiqueiros cuja atuação não acrescenta nada à história, em nenhuma de suas camadas. Do ponto de vista da direção, Cris D'Amato não vai além de fazer um feijão com arroz sem sal e outros condimentos, visualmente apenas ilustrando de modo burocrático o que o texto obriga os personagens a dizer. No fim das contas, nenhum obstáculo é minimamente capaz de gerar uma sensação de apreensão. E o resultado é uma experiência meio monstro de Frankenstein, ou seja, com pedaços de muita coisa que vimos, mas sem vida e alma.
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