Crítica
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Sinopse
Uma professora é assassinada um dia após palestrar sobre os mistérios do universo. A detetive Mike Hoolihan é chamada para investigar o caso, tendo de lidar com o ex-namorado da vítima e sua estranha família.
Crítica
“Nós não vivemos simplesmente no universo. O universo vive dentro de nós”. A frase que abre o longa dirigido pela britânica Carol Morley é apenas uma entre tantas digressões cósmicas que permeiam sua trama neo-noir acerca da investigação do suposto assassinato de Jennifer Rockwell (Mamie Gummer), uma renomada astrofísica. Baseado no romance Trem Noturno, do autor Martin Amis, compatriota de Morley, Mistérios do Universo tem como protagonista a detetive Mike Hoolihan (Patricia Clarkson), encarregada do citado caso da morte da jovem e bela Jennifer – integrante de uma família influente da cidade de New Orleans, e admirada tanto no meio acadêmico quanto entre a comunidade local. Desde o princípio, a policial que “nunca se deixa afetar”, como afirma sua parceira de equipe, parece sentir uma conexão atípica e profunda com a vítima e com as circunstâncias específicas do provável crime. Algo que talvez remeta a traumas de seu passado – de uma infância turbulenta da qual pouco se recorda – e que reflete em problemas do presente, como a luta contra o alcoolismo.
Tal sentimento, gradativamente, se transforma em uma espécie de obsessão pela vida de Jennifer, o que se estende mesmo após a aparente resolução do caso, levando a policial a mergulhar em um estado de quase transe, no qual sua capacidade de distinção da realidade passa a ser questionada. Morley retrata esse mergulho buscando estabelecer uma aura constante de estranheza, tendo uma trama povoada por figuras um tanto pitorescas, algumas beirando a caricatura. Uma característica acentuada pelas atuações intencionalmente afetadas da maior parte do elenco. A própria Clarkson, sempre competente, inicia sua composição colocando a detetive Hoolihan em um estado que beira a letargia, no qual a estafa física e psicológica se confunde com a inexpressividade e o distanciamento emocional. À medida que seu envolvimento com o caso se aprofunda, porém, a personagem passa a ter um comportamento mais passional, gerando atitudes inesperadas, vide a sequência no bar de striptease.
A mistura dos elementos principais do longa – a trama policial, a protagonista idiossincrática, os coadjuvantes peculiares, o clima de cidade onde todos se conhecem – parece, em algum nível, tentar evocar o universo de David Lynch, com Twin Peaks (1990-2017) sendo a referência mais evidente. Contudo, Morley não demonstra ter o domínio lynchiano sobre a esfera onírica, não conseguindo extrair o melhor dos mencionados elementos, a começar pelo subaproveitamento das particularidades da ambientação de New Orleans – são raras as externas da cidade. Tais inconstâncias minam a sustentação da atmosfera inicial, que, de fato, se apresentava intrigante. Com o desenrolar dos acontecimentos, quando realidade e devaneios passam a se confundir mais intensamente, a parcela policial da trama, que envolve o antigo caso sem resolução de um serial killer, tem seu interesse diluído, se mostrando trivial e sem muitas surpresas. Enquanto os acenos para um humor farsesco, presentes desde os primeiros minutos, nunca são abraçados por completo.
Mas é mesmo em suas aspirações filosóficas e metafísicas que o trabalho de Morley apresenta mais fragilidades. Os repetidos debates a respeito de teorias como o Gato de Schrödinger, realidades paralelas, Teoria do Caos e buracos negros, ou de questões mais humanas/psicológicas, como máscaras sociais e o sentimento de insignificância diante da vastidão do universo, se mostram muito menos reveladores e fascinantes do que pretendem ser. Da mesma forma, a ideia de relacionar tais teorias com questões delicadas como a depressão e o suicídio, ao invés de incitar a reflexão, acaba soando apenas vaga ou, em determinados momentos, desconexa. Isso não significa que não existam méritos no trabalho da cineasta, caso do componente musical, resultado não apenas da enigmática trilha original composta por Clint Mansell, como da seleção de canções de artistas como Eels e The Church.
Outro ponto de interesse de Mistérios do Universo se encontra em seu elenco, que além de Clarkson conta com veteranos como James Caan e Jacki Weaver – nos papéis do pai herói de guerra e da mãe protetora de Jennifer – ou Toby Jones, como um dos suspeitos do crime, capazes de garantir o bom nível das performances dentro da proposta não naturalista de Morley. Uma proposta que conta ainda com alguns lampejos de arrojo visual por parte da cineasta que, de fato, não pode ser acusada de falta de ambição, com o acúmulo de detalhes e signos expostos na tela sugerindo que somente as revisões podem dar conta de uma compreensão mais ampla da obra. Entretanto, na ânsia por expandir o leque temático sem optar por apresentar um foco, seu pastiche de gêneros termina soando muito mais desarranjado do que propriamente complexo, não oferecendo o impacto transcendental almejado por seu desfecho.
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